Tinta por uma linha.
A décima primeira crónica de Francisco Mouta Rúbio, acompanhada pela ilustração do artista dualgo.
Não há planos perfeitos para esta cidade. Quais soluções instantâneas, Lisboa não é sopa de ir ao micro-ondas durante dois minutos e já está. Pronta, a cidade numa curva de perfeição. Querias!
Lisboa é caldo misturado por várias fissuras, espessuras a diferente sons, ingredientes diversos. Identidades avulso. Diferentes prazos de validade numa carruagem de vozes, ventos. Camadas sobre camadas de um lixo sonoro misturado com poluição visual. Vamos erigindo comunidades em movimento.
Tal como nos baixos relevos de Vhils, encontramos feições nestes pequenos cortes. Lascas do sul, norte, este, sem faroestes. Fotografamos poesia a cada esquina lenta. Conquistamos a não-violência da civilização com esses pequenos gestos anónimos. Preferimos abafar os grandes gestos, violentos. Afeiçoamo-nos à olisiponense gramática da atenção.
A passadeira, a ciclovia, o plástico estendido no chão. A nossa cidade problematizada em quantas tensões. Uma certeza: nós, lisboetas, somos quem mais fala de Lisboa, ainda. Valorizemos este nosso pequeno olhar. O velho que abre a porta com um sorriso. A florista que não deixa de acenar perante o menear da cabeça do bebé. O empregado de restaurante com uma piada a dilacerar a timidez. A cedência de passagem ao desconhecido, ao colorido apoiado num sorriso. As pequenas simpatias. São elas essenciais para não sentirmos as réplicas do ódio, com epicentro noutros destinos.
Uns aqui entrando e saindo, perdidos na intensidade veloz, frágil da vidinha, sem tempo nem cabeça para esta Lisboa. Outros navegando pelas puras ideias do que pode ser a nossa cidade noutra idade. Presos pela melancolia das utopias que ainda não se concretizaram, pensam nas avenidas sem carros, sem violências. Todos entregues à arte do tempo e às pessoas da minha cidade. Arquitectar espaços para as ideias e atenções de cada um que ama Lisboa.
Encontro na Artéria esse espaço. Uma disponibilidade para essa Lisboa que ainda não sabemos o que poderá ser. A Artéria é esse vaso literário que garante o transporte líquido de palavras sob alta pressão do texto-coração para todos os tecidos e órgãos da nossa cidade.
Veja mais sobre os trabalhos de dualgo em: http://instagram.com/du.algo
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