Tinta por um linha.
A décima crónica de Francisco Mouta Rúbio, acompanhada pela ilustração do artista dualgo.
Pois nem deveria estar a escrever tal crónica. Se os políticos soubessem quanta gente se preocupa com a emergência climática e com o fim dos combustíveis fósseis até 2030, e se eu não me sentisse a deslizar para outros territórios, estrangeiros aos tempos de juventude (já nem ouso cantar Forever Young), esta crónica seria inócua. Mergulhemos então num texto evitável, mas necessário.
Enquanto tento organizar estas palavras, pelas curvas da escuridão vaga da mente, senta-se na cadeira ao meu lado, no aeroporto da nossa cidade, um jovem americano, nascido em Chicago, 24 anos, traz o Monte Cristo de Dumas debaixo do braço, vinha de Sharm El-Sheikh, da COP27. Lá foi ele ouvir o que os políticos, aterrando nos seus jactos privados, tinham a decidir sobre a saúde do nosso futuro. O young american de volta ao seu país com uma certeza: não pode parar de resistir. E a resistência hoje molda-se com novos barros, criar campanhas e conteúdos nas redes sociais para alertar e abraçar mais gente para esta luta.
Uma luta da qual se têm excluído os avós que deveriam estar preocupados com o futuro dos netos e os pais com o futuro dos filhos. Parece que apenas os jovens estão preocupados com o seu próprio futuro. Mais um modelo na montra do egoísmo humano?
Talvez a geração mais educada de sempre, a mesma geração que não lê livros e se gruda nas redes sociais (até quando vamos repetir estes mantras para confundir problemas?), tenha acesso a instituições de ensino que a prepara para atentar, pensar e agir perante os problemas. Será? Será que, apesar de tentarem torná-los mais uma máquina de produção e consumo, os jovens ainda conseguem pensar?
Aqueles jovens desobedientes que ocuparam telhados e o espaço público no Liceu Camões, na Escola António Arroio e na Faculdade de Letras talvez não tenham estudado as palavras de Agostinho da Silva ou de Paulo Freire, nem tenham tido contacto com o modelo de ensino de José Pacheco, mas conseguiram, por momentos, desorientar o sistema. O sistema de competição e de sucesso escolar a qualquer custo. O sistema cego perante os problemas: os media, as redes sociais e a iliteracia, a paz e a democracia, o passado e o futuro. E haverá problema maior para o futuro que o bom funcionamento do planeta presente?
Este texto evitável, mas necessário, dirige-se aos jovens da nossa cidade que são raio de esperança a sobreviver pela cinzentude de convencimentos do que é ser adulto. Aos jovens e à sua fé. Aos jovens que não têm medo de arriscar. Aos jovens que não são jovens velhos. Aos jovens atentos ao presente sabendo que até pode nem haver futuro (e o que será uma geração sem possibilidade futura?). Aos jovens que invejamos, pois conseguem olhar o olho da vida como um furacão de possibilidades, sem desânimos. Através da poesia das palavras, mas também dos números. Esses humanos responsáveis poderão ter a certeza de que são jovens enquanto irritarem adultos sérios e responsáveis. Fastidiosos chefes de família que ainda não entenderam para quê saber mais sobre a saúde do clima, nem se permitem questionar comportamentos.
Quais comportamentos, perguntarão ainda os que se esqueceram do que é ser jovem. Aos jovens desafiantes da arrogância dos mais velhos, convencidos de ter esgotado o conhecimento no seu tempo, que lhes dizem: tudo o que vier a seguir serão imberbes, despreparados, criaturas ignorantes. Esses irritados com o trânsito, com os políticos e com os jovens esquecem-se de onde vieram e para onde irão. Talvez nunca tenham sido jovens. Aos jovens que despertam a cólera com perguntas incómodas: e as ondas de calor não têm ligação alguma com a forma como consumimos camada após camada o nosso planeta, pois não?
Les jeunes assim o serão enquanto não cruzarem os braços, enquanto os telhados forem magros para a espessura das suas vozes, enquanto não forem apunhalados pela espada da fiança. Continuarão a ser jovens os crentes em utopias, pois como disse Oscar Wilde o progresso é a realização de utopias. Continuem a acreditar nelas, pois há mesmo um cavalo branco à solta, por trás da Escola António Arroio. Serão jovens enquanto mantiverem a capacidade de dizer não, não vou às aulas, não aceito esta normalidade que nos levará até ao abismo. Serão jovens os desassossegados com a saúde do planeta, mas despreocupados com a tarde, noite e com as horas que fumegam a urgência descontente dos nossos corpos, mesmo que alguns apenas silenciosos, outros apoiados num corpo de palavras, todos disponíveis a passar noites na esquadra viciada no presente pequeno.
Aos que não ocuparam telhados de escolas e universidades, aos que claudicaram perante os argumentos niilistas, da vidinha útil, do casa-trânsito-trabalho-trânsito-casa, aos que deixaram de ser atropelados por ideias apaixonantes e inúteis, aos que consomem uma comunicação social e redes sociais assentes na invídia e no ódio, na mentira polémica, na masturbação do Eu, Eu, Eu e do voyeurismo restam apenas duas palavras: Obrigado, jovens.
Veja mais sobre os trabalhos de dualgo em: http://instagram.com/du.algo
Nota: Esta crónica conheceu nova e definitiva edição, às 11h53, de 24 de Novembro.
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