Víctor Mota, antropólogo e filósofo, publica a sua segunda crónica no Artéria. Textos tão pessoais quanto complexos e desafiadores.
O centro da cidade é agora lateral, ou seja, fica fora da Baixa, no Oriente, melhor dito, no Parque das Nações. Não é à toa que se realizarão por lá as Jornadas Mundiais da Juventude, com toda a polémica que vai acontecendo, o mesmo se verificou por ocasião da Expo de António Mega Ferreira.
Foi lá, no projetado campo de golfe, que eu vivi, ali mesmo ao lado, no Parque do Tejo. Fazia corridas todos os dias e agora faço da sala para o atelier, da cozinha para o quarto, esperando que cada dia seja cada vez mais melhor, ao menos produtivo de alguma prosa.
Sim, troquei França e Espanha por Portugal, talvez porque, tendo uma patologia no âmbito da saúde mental, durasse mais tempo, porque ainda há um certo comunitarismo em Lisboa e que tem que ver com uma certa cena hollywoodesca que já vem dos tempos da veccia señora, a ditadura. A psicoti-cidade tem que ver com tudo isso, com uma forma de entupimento mental, como se a mente fosse qualquer coisa, uma coisa, na cidade, no estertor dos pássaros mais ou menos comandados pela razão.
A grande revolução não é a do petróleo ou de Wall Street, mas é a revolução da bondade, ou seja, cada vez custa mais (caro) ser bom e generoso. Por isso o Tolentino e o Papa insistem sempre no mesmo, mesmo sem serem antropólogos. E este estão acantonados numa guerra que creem existir, mas que não se verifica, no comando do sangue, dos laços de sangue.
Sim, li Osho e acerquei-me da filosofia budista, mas mantenho a fé católica, pois não é apenas uma forma de ver o mundo, mas uma foram de acreditar no mundo, nem que seja acreditar em acreditar no âmbito de um instituição ao serviço do homem espiritual, segundo Bergson. Na verdade, quando MEC escrevia crónicas no Independente, eu próprio escrevia na imprensa regional e percebi mais tarde, que, segundo Schopenhauer, tinha razão no que dizia e no que fazia. Por isso, a profissão só se afina com o tempo, como um comboio tem de obedecer aos carris…
Devia de deixar de fumar. Olho para o maço de cigarros comprados avulso, nos monhés, como diz o outro. Acabo por perceber que a minha vida é isto, não só evitar o cigarro, não só sofrer por um amor que existe, seja nas fontes da Praça da Figueira, onde há tensão, seja no Intendente, onde os chulos comandam o desejo dos turistas, seja por uma preta seja por uma falsa loira…
A psico-ticidade é tudo isto, é procurar sentido e ele nos escapar entre os dedos, ou seja, ira do Campo Grande ao cais do Sodré, tomar um comboio na linha de Sintra e sair no Algueirão, não sei porquê e comprimir o desejo para o dia seguinte, pois já te desgastaste e justificaste que chegue, au-delá dos texto de Clifford Geertz. É também uma certa quantidade de álcool, regímen a que tens de aceder para não quebrares antes de torcer…
Depois, percebes que estás errado e que persistes nesse erro que te dá fama, enquanto os executivos passam por ti traçando qualquer coisa no seu egoísmo institucional, na sua intimidade pouco cultural, pouco católica. E lembro-me dos cigarros Paris, de os esconder na base de um poste de eletricidade, sim, o cigarro, o último recurso de um antropo-lógico. Donde o vão da escada onde os escondeste. Onde era a dispinsa, a mercearia lá de casa.
Eis uma geografia, tanto do espaço doméstico quanto do espaço público de cidadania da cidade, da psicoti-cidade. Há que assumir males da alma, ou seja, a doença mental ainda é tabu.
Assim, nesta lógica das compensações fortuitas há uma remissão à existência, ou seja, passamos pelo mesmo lugar durante dias, anos, e há sempre qualquer coisa de novo, nem que seja a estátua de Dom Sebastião no Rossio, onde funciona um Starbucks. E Portugal é assim, pontilhado de motivos de interesse, que aqueles que correm acabam por vislumbrar melhora, pois estão num regímen de corpo são em mente sã.
Um sentimento de injustiça se faz a Lisboa, há sempre qualquer coisa que ver, que fazer, no estertor dos dias e das vontades, uns procuram precaver-se, pelo medo, de males maioria, enquanto aqueles que sempre aqui estiveram de desguiam do seu pretenso teórico destino, entre mendicidade e drogas, ou seja, o ser humano precisa de conforto e a impessoalidade não só grassa como também aumenta em relação a registos anteriores de dor e sofrimento. E não será tudo culpa do governo? Qual a real distância entre o cidadão comum, branco ou africano, e quem faz as leis? Decerto que os juristas e economistas nada percebem de antropologia…
Há assim um persistência do macho hegemónico, quando na verdade foi isso, essa ideia arreigada até no espírito da mulher, que lixou a América. Mas isto não é a América, mas olhamos todo para lá não só porque é o centro do mundo, além de Londres e Paris, como que não o é mais, ao invés de Banguecoque e Pequim… Era nessa insistência e banalidade que falava não só Georges Bataille, menos político do que Jean Baudrillard, ou seja, o capitalismo é, segundo alguns teóricos como eu, lugar de repetição, de reiteração de uma lógica de dominação, que anda entre o tempo e se planteia num espaço além do sujeito-câmara, do sujeito julgador, fiscal das vontades individuais, au-delá de uma certa concepção de sociedade…
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