ARAL… a associação que coloca a Alta de Lisboa no mapa  

Autor

Artéria
24 de Junho, 2023
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José Almeida (à esq.) e Tito, membros da direção da ARAL

João Tito Basto (toda a gente o trata por Tito), move-se como se tivesse nascido no bairro ou vivesse aqui desde sempre. Não é o caso. Chegou à Alta de Lisboa há cerca de 16 anos, depois da casa onde vivia, no Largo do Rato, se ter tornado pequena para a família. E Lisboa demasiado cara. Encontrou uma casa maior, mais barata do que nas zonas nobres na cidade, desconhecia, contudo, a realidade que estava prestes a encontrar. “Não diria que foi um choque, mas uma surpresa”, admite. Estava tudo em construção. Apercebi-me rapidamente de que havia uma divisão entre as pessoas. Entre o bairro municipal e quem tinha comprado casa, como eu”. 

A explicação é (relativamente) simples. Foi nesta zona onde, durante décadas, estiveram instalados alguns dos maiores bairros de barracas de Lisboa. Nos anos 80 e 90, o PER (Plano Especial de Realojamento) chegou a estes 300 hectares localizados a norte da cidade, com a promessa de uma quase revolução. Poucos anos depois, um novo plano (Plano de Urbanização do Alto do Lumiar) previa uma fusão entre os ex-habitantes das barracas e os novos residentes de fogos comercializados pela SGAL (Sociedade Gestora da Alta de Lisboa).

O ideal não se cumpriu.  Os habitantes pareciam água e azeite. Iam a cafés distintos. Comunicavam pouco. As sonhadas e prometidas infra-estruturas  (desportivas, culturais, de saúde, educação e serviços), tardavam em chegar. Tal como o metropolitano nunca chegou. Tito não se confirmou com esta exclusão e divisão. Nem ele nem muitos outros moradores, até porque é sabido, o trabalho comunitário não se faz sozinho. Tinham, à data, um blogue, onde começaram a falar sobre o que fazia falta no bairro, até perceberem que o caminho passava por criar uma associação, a ARAL — Associação de Residentes do Alto Lumiar. “Tudo voluntários”. Hoje são cinco pessoas, três técnicos (Luís Matos, Henrique Vicente e Margarida Milheiro) e dois membros da direcção — Tito e José Almeida (na foto).

“O objectivo imediato passava por conseguir um maior envolvimento das pessoas na vida do bairro e fizemo-lo muito a partir dos miúdos”, avança. Um percurso nem sempre fácil, “houve muitos momentos difíceis em que o financiamento escasseava”, mas refere também vários pontos altos. Como o projecto All Artes, criado no âmbito dos projetos BIP/ZIP.  Houve formações de hip hop, escrita para música, espectáculos de dança africana, inúmeras actividades que culminaram com um festival numa “tenda de circo com mais de oito mil pessoas”, recorda Tito, com entusiasmo.  

Já lá vão dez anos. Estávamos em 2013. Lisboa mudou muito (o bairro nem tanto) desde então, mas as áreas de intervenção da associação mantêm-se em tudo semelhantes: Educação, Cultura e Cidadania. O que mudou foi a forma como dialogam com o bairro e as pessoas e tentam implantar as suas ideias. “No início tínhamos ideias que achávamos que iam funcionar e avançávamos, hoje em dia não funcionamos assim”, admite Tito. “Era um entusiasmo próprio de quem estava a começar”. Agora perguntam, discutem, querem a participação de todos, desde a criação de um novo projecto cultural à possível requalificação de um jardim.   

Enumerar  todos os projectos da associação é uma tarefa inglória. O Zona de Intervenção Cultural, iniciativa que pretende acompanhar famílias sem hábitos de consumo de cultura a eventos culturais ou o curso de alfabetização para adultos, criado em 2022, são apenas dois dos mais recentes. “Não havia nada do género no bairro há cerca de 10 anos”, refere Tito. Temos uma turma e estamos a tentar abrir a segunda”.

Já os mais novos têm à disposição o Apoio ao Estudo, especialmente destinado a alunos com dificuldades no sistema de ensino. “Sempre que possível o objectivo é ter um voluntário por cada aluno e não um professor para um grupo. São miúdos que precisam de um acompanhamento constante e continuado.” Tito faz ainda referência ao Balcão do Morador, onde ajudam “a tratar de assuntos relacionados com Finanças, Segurança Social, Gebalis e emprego”. 

Falta o Centro Periférico (falta muito mais, na verdade), porventura a nova menina dos olhos da ARAL. De Tito. Designer de formação e de profissão, tem uma grande ligação às artes, sendo o coordenador deste centro de experimentação artística, localizado no Bairro da Cruz Vermelha. Centro de formação, estúdio de som comunitário, estúdio de serigrafia, é um pouco de tudo isto, aberto não só à comunidade local, mas também a associações amigas “desde o início que tivemos esse cuidado de ser complementares às mais diversas associações e não concorrentes”, gente e artistas de fora. “Fazer com que pessoas de fora venham até aqui é também uma forma de diminuir distâncias e combater um certo estigma”, conclui. 

ARTÉRIA

O Artéria é uma iniciativa de informação comunitária lançada pelo PÚBLICO com o apoio da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. É feito por voluntários, supervisionados por um jornalista profissional.

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