A diferença que eles fazem.
“É bonito, é bonito”, repete Ana Chernega, a espaços, com uma serenidade reconfortante, a condizer com o sossego da hora de almoço da, já de si muito tranquila, Avenida de Madrid. Embora lhe tente relativizar a importância, o sorriso prenuncia um claro orgulho no canteiro que decidiu plantar, há cerca de quatro anos, na caldeira de uma árvore situada mesmo em frente ao salão de beleza aberto desde 2014.
Por isso, o diminuto talhão em redor daquela árvore da espécie ácer exala vida. Gesto que surpreendeu alguns dos seus clientes e vizinhos, mas acabou por servir de inspiração a outras moradoras daquela artéria da freguesia do Areeiro, situada nas traseiras da sempre buliçosa Avenida de Roma. Há agora idênticos canteiros a nascer no mesmo passeio, embora uns como mais sucesso que outros.
Trata-se do reconhecimento de que, afinal, não é necessário muito para melhorar o ambiente do sítio onde vivemos. “Um dia, cheguei de manhã, e tinha colada na porta uma folha de papel com uma mensagem em inglês, língua que eu não falo, mas explicaram-me que dizia qualquer coisa como ‘se todos fizessem o mesmo que a senhora, este mundo seria um sítio muito melhor’”, conta.
A cabeleireira e esteticista moldava de 55 anos, a residir em Portugal há duas décadas, ri-se e, lá no fundo, pressente como um exagero tal encómio. Mas não deixa de encarar como uma missão pessoal o cuidado quotidiano das plantas a singrarem em volta daquela árvore, entre as quais se inclui uma trepadeira. “Rego-as todos os dias. Então agora, que o verão chegou, não lhes pode faltar água. Nem pensar”, diz.
A ideia de transformar num recanto viçoso o que antes era apenas uma desconchavada caldeira de uma árvore nasceu da mera observação do local. “Quando cheguei cá, o espaço estava horrível, funcionava como uma espécie de casa de banho para os animaizinhos, estava tudo sujo”, conta Ana, confessando ter tentado diversas abordagens de higienização do espaço, antes de se lembrar de recorrer talvez à mais simples e, aparentemente, mais eficaz de todas.
“Usava vinagre e até álcool para tentar acabar com a porcaria e o cheiro, mas aquilo estava sempre sujo. Decidi, então, semear estas plantas com folhas e pensei ‘se resultar, óptimo’. E resultou mesmo”, recorda. As folhas progrediram, assim como os elogios da clientela e da vizinhança. Mas não se pense que foi um mar de rosas. Longe disso. Também houve lugar a algumas críticas.
“Os clientes gostam e as pessoas que passam na rua também, mas há de tudo um pouco. Sabe como é”, conta esta mulher que, todos os dias, chega ao seu estabelecimento, depois de descer na vizinha estação ferroviária de Roma/Areeiro, vinda da vila de Alhandra, concelho de Vila Franca de Xira.
“Numa ocasião, uma senhora estava a passear o seu cão e não se importou que ele estivesse a fazer a suas necessidades no canteiro. Chamei-lhe à atenção e ela respondeu-me, questionando-me qual era o problema, já que o espaço é público e não privado”, conta. A cabeleireira não se deixou ficar e respondeu-lhe com outra pergunta: “É público, sim, e então?”.
Antes disso, contudo, até se deparou com dissabores bem maiores. Pouco tempo após ter plantado o jardim informal, as plantas que ali colocara acabaram por ser arrancadas. “Insisti e fiz tudo de novo, outra vez”, diz, com ligeiro sorriso. E é preciso manter a vigilância e os cuidados. À imagem do que sucede um pouco por toda a cidade, há quem faça da caldeira de uma árvore a papeleira de circunstância, para lá atirando beatas ou maços de cigarros amachucados.
Também já houve quem lhe demonstrasse desagrado de forma mais directa, ao ponto de lhe terem dito que teria de pagar uma taxa à Câmara Municipal de Lisboa por ter feito aquele plantio. Mas, regra geral, as reacções são muito positivas, assegura. “A maioria das pessoas são boas e elogiam”, diz a mulher que, em 2002, deixou para trás a vida de educadora de infância que tinha em Chisinau, capital da Moldávia. O seu empenho é visto como um bom exemplo na Avenida de Madrid.
Ao ponto de uma vizinha de um rés-do-chão, situado mesmo ali ao lado, ter decidido começar também a cuidar de outras duas caldeiras, nelas improvisando mini-jardins. Outra desanimou após lhe terem destruído idêntico trabalho em redor da árvore que adoptara. Mas Ana não desiste. “Todos os dias cuido das plantas. Não há floresta com árvores secas”, comenta. “Fica muito mais bonito”.