Crónica

Rui Martins

Breve História do Bairro Presidente Carmona

14 de Junho, 2023

Rui Martins, activista e dirigente associativo, fundador do colectivo Vizinhos do Areeiro, volta a escrever para o Artéria, desta feita sobre o antigo Bairro Presidente Carmona. 

Na recente exposição “Políticas de Habitação em Lisboa, da Monarquia à Democracia”, no Palácio Pimenta (Museu de Lisboa), localizado no Campo Grande, encontrámos num dos mapas uma referência ao Bairro Presidente Carmona no contexto do Plano de Urbanização de Lisboa de 1956-1959.

Trata-se de um dos raros bairros sociais construídos em Lisboa durante o período do Estado Novo inspirados no modelo da casa portuguesa e que materializa a ideologia do regime durante os anos 1930 a 1950. Toda a conceptualização dominante para estas “casas económicas” foi pensada ainda na Primeira República numa tipologia que depois foi seguida nos “Bairros Vila” de Alvito, Benfica e Encarnação mas nunca plenamente executada (como sucedeu com o Bairro do Arco do Cego). A construção só arrancou com o Estado Novo, terminando em 1927 nos terrenos da antiga Vila dos Pacatos, uma das várias vilas e quintas que existiam nesta zona da actual zona da freguesia do Areeiro. 

O objectivo era o de alojar as famílias dos trabalhadores da câmara municipal. O bairro recebeu a denominação de “Bairro Municipal Presidente Carmona” em homenagem a Óscar Carmona, nomeado, interinamente, por decreto, para o cargo a 16.11.1926. Ironicamente, em 1927, ainda não tinha sido submetido a sufrágio, algo que só aconteceu – sem opositor – a 25.3.1928. Uma das casas do bairro foi mais tarde a sede da Junta de Freguesia do Alto do Pina formada no reordenamento administrativo das freguesias de Lisboa de 1959 com áreas vindas das freguesias de Arroios, Penha de França e Beato. Em 2012, com o reordenamento de 2012 passaria a núcleo local da freguesia do Areeiro.

O mapa que acompanha este texto apresenta o plano inicial da urbanização mas os dois quarteirões inicialmente previstos nunca chegaram a ser construídos ficando-se a intervenção urbanística pela actual Rua Capitão Henrique Galvão, uma toponímia que data de 14.08.1975 como forma de afastar o bairro da designação associada ao Estado Novo dado que este militar se tornou conhecido no desvio do paquete Santa Maria, em 1961, como forma de protesto contra o regime de Salazar.

O bairro, com efeito, nunca passou da Henrique Galvão e metade da Abade Faria, uma designação que resulta da divisão em 1957 da Rua Carvalho Araújo (onde nasci) em dois troços separados pela Alameda Dom Afonso Henriques. Foi então que esta rua do bairro recebeu a homenagem a este multifacetado luso-goes religioso e inventor português: o Abade Faria, especialista em hipnose e que seria a inspiração do “Abade Faria” do Conde de Monte Cristo de Alexandre Dumas. Inserido no Bairro dos Actores, é curioso que nenhuma das ruas deste antigo  “Bairro Presidente Carmona” se refira a actores.

Hoje em dia, já quase ninguém sabe onde fica este bairro do Areeiro sobrevivendo a designação apenas na memória de alguns moradores mais antigos. Não existe toponímia que o refira uma vez que o elegante azulejo “Bairro municipal Presidente Carmona”, (fotografado por Eduardo Portugal em 1935), foi removido do edifício onde hoje funciona o Centro de Dia da Santa Casa algures na década de 1980. Ou, segundo, alguns moradores nas obras deste edifício em 2009. A memória do nome do Bairro (que faz parte do Bairro dos Actores) vai-se perdendo e, talvez, daqui a algumas décadas já ninguém se recorde que estamos neste local, perante um dos mais antigos bairros públicos a custos controlados de Lisboa.

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