Uma comunidade unida sobre rodas em Campolide

7 de Junho, 2022

Reportagem

Daniel Pedro
Pode-se pensar que a única coisa que se faz num skatepark é, como o nome indica, andar de skate. É uma das possibilidades, mas não será a única. O grupo “Sempre os mesmos” demonstra a vivacidade da patinagem e o espírito de companheirismo nas frequentes idas ao skatepark no Bairro da Liberdade, acolhendo novos membros.

Algumas pingas de chuva caem sobre o chão do skatepark do Bairro da Liberdade, em Campolide. Pequenas poças de água vão-se formando. O que parece estranho, uma vez que o parque se encontra protegido, coberto por uma infraestrutura. As pequenas poças estão no meio, portanto, este é um ponto a evitar pelos skaters e patinadores.

Um pouco de água não faz mal a ninguém, mas pode originar uma queda, especialmente para os praticantes de skate ou para os patinadores. Dentro do ecossistema, este último grupo não é uma espécie ameaçada, apesar de estar em menor número. Reclamou o seu próprio espaço, através da consistência e da “boa onda”.

Junto a uma rampa, encontra-se uma valente poça de água, que fica a fazer de fundo. Está na parte não coberta da pista, por isso não interessa a Gonçalo Teixeira. O patinador apenas se prepara para descer a inclinação e fazer uma espécie de vaivém, com uma manobra à mistura. Tentando sempre evitar a poça do meio.

Gonçalo Teixeira está na “casa dos 30 anos”. Especificar seria dar demasiados pormenores. Quando o preenchido horário de trabalho lhe permite, o que costuma acontecer duas vezes por semana, desloca-se ao Bairro da Liberdade no seu carro. Os patins que traz dentro da bagageira podem variar.

Durante algum tempo, fazia uso dos patins em linha agressivos (agressive type), que se distinguem dos demais patins em linha por permitirem, pela existência de uma lâmina côncava, o deslize dos patins sobre o corrimão, por exemplo. Mas já utiliza também os de quatro rodas ou quad.

Miguel Teixeira foi quem deu a Gonçalo Teixeira – sem relação de parentesco, apesar do apelido partilhado – a sugestão para experimentar os quad. Têm idades parecidas e conhecem-se há mais de quinze anos. Não se enaltecem como orgulhosos fundadores do grupo “Sempre os mesmos” – um daqueles nomes cuja verbalização pode, a início, gerar um mal-entendido, que, por sua vez, gera um momento engraçado – preferem, ao invés, ser dois simples membros. O grupo, que está sempre aberto a amigos, possui uma página na rede social Instagram, onde publica frequentemente fotos e vídeos de patinagem.

À semelhança de Gonçalo, Miguel Teixeira tem como camada de proteção umas joelheiras, tal como tem umas luvas, cujas talas – uma parte dura de resguardo dentro da própria luva – aparam quedas não fatais, mas potencialmente dolorosas.

Miguel conta com o apoio de Ricardo Lino, com quem partilha também uma boa amizade. “O Ricardo ajudou várias pessoas [no mundo dos patins] a seguirem o seu sonho”, conta o patinador, que também é conhecido por “Mike”. Algo que não admira muito, se assistirmos a um unboxing – uma análise de um artigo que normalmente se encontra dentro de uma caixa – no canal de YouTube de Ricardo Lino e repararmos no entusiasmo do seu discurso em relação à modalidade.

Antes de partir para a África do Sul, onde tem uma loja da sua marca “Wheeladdicts”, Ricardo Lino organizou uma festa de despedida que reuniu pessoas de norte a sul do país da comunidade dos patins e não só.

Sempre os mesmos no parque

Está a faltar Rui Pereira no skatepark. A conciliação do seu horário com o de Gonçalo Teixeira é um pouco difícil, especialmente numa altura em que tem bastante trabalho como técnico de iluminação de filmes. Ainda assim, quando pode, e por ser uma boa oportunidade de descontração, Rui desloca-se ao skatepark coberto de Campolide às terças-feiras, a uma hora específica. E não é o único.

Perto do caleidoscópio – nome demasiado complicado para alguns para servir como ponto de referência -, às quintas-feiras, às 19h30, reúnem-se vários patinadores. Entre eles, Rui Pereira e Miguel Teixeira, que se preparam para iniciar um percurso. Talvez pelo seu comprimento, o périplo assemelha-se mais a uma viagem. Que até pode atingir as dezenas de quilómetros. Por vezes, fazem-se 25 quilómetros. Este itinerário é organizado pelo grupo “Urban Rollers”.

A marcação de uma hora própria para a prática de uma atividade de lazer será o oposto da regra portuguesa, mas faz sentido, se se tiver em conta que, para além dos empregos formais que possuem, alguns dos patinadores e dos skaters ainda têm uma “dedicação a tempo inteiro”: a paternidade.

Não parou de chover e as pernas já cansam ao Artéria, que procura um lugar para se sentar e, com o guarda-chuva numa mão e com o telemóvel na outra, vai recolhendo, com autorização prévia dos skaters e patinadores, informação.

Tendão de Aquiles

Se se encontrasse no final do ensino secundário, Leonor Pinto estaria a levar quase todos os dias para a escola os seus patins. Nessa altura, frequentava uma escola em Torres Vedras, região onde não tinha grandes sítios para deslizar livremente. “Vivia na parte que era mais campo e menos cidade”, revela Leonor. A urbanização pode ter os seus contras, mas sem ela não existiriam, possivelmente, tantos “skatepark’s”.

Mas Leonor Pinto está no primeiro ano da universidade. O horário preenchido podia ser o principal motivo para não conseguir patinar em Campolide ou noutras zonas de Lisboa. A verdade é que um problema no tornozelo levou-a a deixar de praticar, tanto às terças-feiras no Bairro da Liberdade, como nos treinos do Sport Lisboa e Benfica, onde estava federada, em dezembro de 2021.

Revela que, há uns tempos, um colega de turma levou um par de patins para as aulas e ela não resistiu a pedir-lhe para circular um pouco no pátio da faculdade – embora os amigos, que têm conhecimento da sua lesão, tenham ficado um pouco apreensivos ao vê-la deslizar.

Mas a vontade de praticar, porém, não lhe faz perder a clarividência. A atestá-lo, Leonor evoca um episódio ocorrido há uns tempos. “Fomos numa carrinha, eu, o Rui, o Vasco Cepêda, entre outros, para um evento que ia decorrer em Leiria, mas, quando chegámos lá, começou a chover bastante”. Este era um evento que reunia patinadores à escala nacional e foi também o sítio onde Leonor conheceu Ricardo Lino. A patinadora conta que ainda houve alguns “corajosos” a tentar andar, mas ela preferiu ser cautelosa.

Hoje é dia de festa e os balões de aniversário já estão à vista no Bairro da Liberdade. O aniversariante é amigo de Miguel Teixeira e de Ricardo Lino. Não é um dia normal, pois há uma separação evidente entre dois territórios. De um lado, os praticantes de skate e, do outro, os patinadores, se bem que, por vezes, a espécie dominante tente ganhar território. Ricardo Lino prende os balões ao seu corpo e, numa energia animadora, desliza livremente com os patins sobre a rampa. Não há quaisquer limitações à circulação.

Alegria genuína

As manobras executadas pelos patinadores parecem mudar a cada tentativa. Apesar de existir um número limite delas já delineado, há sempre espaço para ser criativo, há sempre espaço para alterar a posição de um pé ou de uma perna. Fábio Madruga, um dos amigos de Ricardo Lino e de Miguel Teixeira, tenta várias vezes uma combinação, até que, por fim, acaba por acertar. O sentimento de concretização entusiasma os parceiros e faz querer ir mais além. Experimentar uma nova combinação, talvez.

Seja pelos jovens a pedirem para comer uma fatia de bolo de chocolate, seja pelos pais a encorajarem os filhos a andarem ou ainda pelos miúdos que tentam subir blocos de cimento do dobro do seu tamanho para conseguirem pôr-se na berma da rampa, na parte que os permitirá fazer o chamado “dropout“, a verdade é que a energia que rodeia o skatepark coberto faz com que se queira passar uma tarde inteira, sentado no chão, a ver pessoas a cair e pessoas a sorrir.

Por fim, a brincadeira acaba-se, cada um segue no seu meio de transporte ou do seu próprio jeito. Os cumprimentos são feitos, os abraços são dados. Espera-se ansiosamente pela próxima grande reunião. Pode ser terça-feira à noite, como geralmente é, ou pode ser noutro dia. Sabe-se que quem aparecer será bem recebido, independentemente das rodas sobre as quais decidir deslizar.

O Artéria é um projecto de jornalismo comunitário. É feito por voluntários, supervisionados por um jornalista profissional.

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