A primeira vez que visitei Lisboa, as palavras ‘pura poesia’ ficaram na minha memória. Via-as de todo lado, pintadas em paredes, escritas em vários tamanhos, mas sempre com a mesma fonte elegante. Hoje sei que era o trabalho de um artista brasileiro com nome de Pura Poesia (www.purapoesia.com). Na altura, não o sabia: simplesmente, levei estas duas palavras comigo porque na minha mente se tinham tornado numa síntese da cidade. E até contribuíram para trazer-me de volta a Lisboa.
Viver num sítio no longo prazo é diferente de estar de passagem. Vês todas as estações do ano, vês o quotidiano e todas as coisas que pensamos serem insignificantes mas que são, no entanto, cada uma delas uma peça do puzzle. Não reivindico conhecer a Lisboa autêntica – quem seria eu para distinguir o que seja autenticamente lisboeta? Em todo o caso, não será a autenticidade para uma pessoa bastante diferente do que é autêntico para outra? E, acima de tudo, a cidade não é um museu: vive, muda. O que faço é simplesmente olhar: guiado pela curiosidade e pela sorte, percorro as ruas e olho para Lisboa.
Com as restrições devidas à pandemia, a cidade talvez não sorria tanto. Mas esperemos que o pior já tenha ficado para trás. As ruas estão felizes por ter o seu povo de volta nos dias das festas de Lisboa, no dia do orgulho gay, nos dias da Feria da Ladra e todos os dias. Mas então porque amua este miúdo no claustro do mosteiro dos Jerónimos? Será indiferente ao esplendor do lugar, talvez suspirando depois da sua consola de jogos, talvez esmagado pelo peso da cultura que os seus pais o forçam a descobrir? Há outros meninos nestas fotos: fotografei o reflexo de um enquanto ele explora hesitantemente o Largo do Intendente, e outro está a jogar futebol numa rua inclinada. Penso que, provavelmente, não são muito diferentes das crianças que correm nas páginas do famoso livro fotográfico ‘Lisboa Cidade Triste e Alegre’ (o documentário ainda está na RTP Play: https://www.rtp.pt/play/p10399/lisboa-cidade-triste-e-alegre).
E o eléctrico que quase balança como um barco, e o rio tranquilo, e em todos os lugares os jogos intensos da luz e da sombra, que talvez pareçam um pouco mais violentos a preto e branco. Não sei se é toda pura, mas parece-me que há muito poesia para ver e viver em Lisboa.
Pierre Fr. Docquir
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