Fotografias: Guillermo Vidal
A vida de António Chagas, consultor de 56 anos, é feita de dias com múltiplas obrigações profissionais e prazos apertados, mas sem deixar de estar atento ao que se vai passando no mundo. Consumidor ávido de informação e de jornalismo, não deixa, porém, de notar uma inquietante similitude por entre o imenso caudal noticioso produzido quotidianamente.
“Nos dias globalizados em que vivemos, a tendência para os grandes distribuidores de informação – sejam televisões, agências noticiosas ou jornais de grande expansão – é a de disseminarem de forma mimética as informações mais sensacionistas”, considera o profissional liberal.
Tal apreciação é reforçada pelo contraste com outra constatação. “A vida das pessoas não se faz só de desgraças, e muito menos de desgraças que acontecem longe ou que não têm qualquer relação directa com a vida quotidiana – que também é, por si só, uma fonte inesgotável de ‘notícias’, no sentido de serem dignas de nota”, afirma António, enfatizando a necessidade de reconhecer a complexidade do mundo. Afinal, existem sempre outros níveis de leitura.
António Chagas assume um interesse crescente pela função do jornalismo na sociedade e pelo papel que tem representado na sua evolução. “É a prova de que as palavras são muito importantes. Por isso, quando o Artéria surgiu e começou a procurar colaboradores, ofereci-me sem hesitar, para ter uma oportunidade de partilhar a minha voz e a minha opinião”, diz, em jeito de justificação.
Uma razão, afinal, comum às de outras pessoas que se têm juntado ao projecto de jornalismo comunitário sobre a cidade de Lisboa, produzido pelo PÚBLICO, com o apoio da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Todas são movidas por esse desejo de participarem no aprofundamento dos laços comunitários na cidade. De sentirem que fazem parte de algo com significado.
Desde que começou, em Junho passado, o Artéria, tanto na versão online (artéria.pubico.pt), como em papel – distribuída bimestralmente com a edição do jornal na região da capital -, tem publicado trabalhos feitos por esses voluntários, sob supervisão de um jornalista. A ideia subjacente é sempre a de valorizar esses contributos individuais, complementando-se uns aos outros. Cada um dá um pouco de si.
“Num mundo em que somos essencialmente espectadores, tendencialmente passivos, consumidores, é muito importante sentirmo-nos a participar em algo em que ponhamos alguma coisa da nossa experiência”, comenta Vítor Oliveira Jorge, 75 anos e antigo professor universitário de arqueologia. Dele têm sido publicados alguns dos mais extensos trabalhos do Artéria, centrados nos grande temas definidores da identidade de Lisboa.
Missão que o académico assume como um misto de dever profissional e de um irreprimível “desejo de falar com a nossa Lisboa, um namoro sempre renovado”. Uma postura a encontrar eco na forma como Vítor define a sua relação com a cidade: “uma experiência amorosa, impossível de descrever completamente”.
Se essa pulsão individual seria razão suficiente para participar, Vítor Oliveira Jorge não descura o apelo colectivo. Muito pelo contrário, pois ele é intrínseco ao projecto, sublinha. Notando a existência de uma tendência de muita gente “se fechar no seu casulo, afastando-se tudo o resto lá fora”, o contribuinte regular do Artéria julga ser “extremamente salutar partilhar experiências”.
E, afinal, sobram motivos para o fazer. “Até porque essa partilha, para ter alguma qualidade, nos incita a rever ideias, a aprofundar informações, e mesmo a deparar com muitos assuntos desconhecidos ou até então na sombra. E que, às vezes, estavam ali mesmo ao pé da porta, à espera de serem contados. E que têm rostos”, afirma.
Foi essa a razão principal, aliás, a impulsionar Teresa Rouxinol a enviar um texto, publicado em Novembro. “Participei com um artigo no Artéria porque tinha uma história de um episódio que me aconteceu em Lisboa e que queria partilhar. Porque me pareceu importante chamar a atenção para a solidão e o contexto de se ser velho na cidade”, justifica esta administrativa, de 46 anos.
“O jornalismo comunitário reveste-se da maior importância, num momento em que os jornais estão cada vez mais iguais e a dar as mesmas notícias do mesmo ponto de vista”, considera Teresa Rouxinol. A voluntária lembra que “o jornalismo de proximidade só pode ser feito por quem está próximo, ou seja, pela comunidade”.
A necessidade de estreitamento de laços na urbe é também referida por Francisco Mouta Rúbio, autor da crónica quinzenal “Tinta por uma Linha”. Notando um crescente isolamento das pessoas nas suas “bolhas”, diz que “as comunidades são essenciais para a solidariedade, a inclusão, diversidade e, principalmente, a igualdade”. “Acredito que uma grande cidade só pode ser erigida se dentro dela existirem várias microcidades”, declara.
“Escrever para o Artéria é um prazer porque é uma oportunidade para partilhar palavras com um público amplo”, diz o profissional de audiovisual de 34 anos, valorizando a edição e revisão do texto pelo coordenador do Artéria. “Escrever quinzenalmente crónicas sobre a nossa cidade cria as rotinas de escrita que procurava. Tem sido uma experiência enriquecedora”, confessa.
Se também se quiser juntar ao grupo de voluntários, escrevendo, fotografando ou ilustrando, envie um email para arteria@publico.pt, dizendo como gostaria de contribuir para o Artéria. Terá sempre resposta.