Há festa em Marvila

Autor

Artéria
28 de Março, 2023

Marvila recebe, no próximo fim-de-semana (31 de Março e 1 de Abril), o festival Co.Cidades. Mais do que um festival de música (também há, música e petiscos) é um evento que tenta pensar o bairro e a cidade e que tem um cariz profundamente comunitário, parte integrante do projecto Sê Barrista. Um projecto que começou em 2017, com uma sessão de cinema ao livre e, a partir de 2020, ganhou maior escala, tendo sido realizadas desde então mais de 135 actividades, entre eventos culturais, recuperação de pracetas ou transformação de descampados em jardins comunitários. Falámos com Margarida Marques, uma das organizadoras do evento.

Que tipo de festival é este? Uma festa? Um evento cultural? Uma plataforma para ajudar a pensar a cidade?


O Co.cidades é um processo coletivo de aprendizagem e reflexão sobre a participação cidadã no desenho de cidades, que se iniciou em setembro de 2022. A criação do festival e a sua programação resultam da vontade de aprender com iniciativas já implementadas, de refletir sobre o impacto destes processos e de pensar em conjunto oportunidades de promover o desenho, planeamento e construção inclusiva e democrática das cidades. Ao longo de seis meses foram realizadas sete visitas de estudo e organizado colaborativamente um evento que contará com conversas,  debates e momentos de convívio. Foram também planeadas três exposições sobre projetos participativos locais (cinco anos de Sê Bairrista), nacionais (exposição Co.cidades) e internacionais (Outra Terra).


Pretende-se que o conhecimento produzido ao longo deste processo possa ser partilhado em diferentes formatos e que o processo de aprendizagem coletivo iniciado se materialize em novas ações futuras, promovidas e participadas por um grupo cada vez maior de pessoas e instituições.

Numa altura em que tanto se fala da perda de identidade de Lisboa, eventos como este são essenciais para recuperar esse perfil popular e comunitário da cidade?

As relações comunitárias são sedimentadas em décadas e é difícil avaliar o contributo individual de um evento para a construção de comunidade. De qualquer forma, este evento como parte de um projeto maior — o Sê Bairrista que integra vários eventos e ações, nomeadamente de qualificação de espaço público com participação dos seus utilizadores — pode contribuir, desde o nosso ponto de vista, para o fortalecimento das relações comunitárias.

O Sê Bairrista é um projeto de regeneração urbana em que, através de metodologias participativas, os moradores contribuem ativamente para a qualificação do território, promovendo o aumento da coesão social, do sentimento de pertença ao grupo e lugar. O Co.cidades pretende celebrar este processo e discutir quais as oportunidades e impacto de ter processos participativos no desenho das cidades, entre eles o sentido comunitário.

A primeira iniciativa do Sê Bairrista foi realizada no verão de 2017 com uma sessão de cinema ao livre e em 2018 foram testadas as primeiras ações de intervenção em espaço público, de forma muito simbólica. Desde 2020 o projeto ganhou maior escala, tendo sido realizadas desde então mais de 135 atividades, com mais  de 2000 participantes, que resultaram em cinco intervenções: qualificação de bancos e projeto de parque infantil na praceta A; reconfiguração e qualificação da praceta B; transformação de dois descampados em jardins comunitários, próximo da praceta C; desenho de palco e programação do Felizmente há Lugar! (10 eventos culturais com + de 700 espectadores); desenho de exposição e programação do Co.cidades (visitas de estudo, exposições e conversas sobre participação no desenho de cidades).

E Marvila… continua bairrista e popular ou os efeitos da gentrificação também já se fazem sentir?

Marvila é uma freguesia diversa com problemas e especificidades diferentes nos vários bairros que a constituem. A freguesia é atravessada por duas linhas de comboio (Oriente-Roma/Areeiro e Oriente – Santa Apolónia) que dividem a freguesia entre a zona ribeirinha (Marvila Antiga) onde se registou nos últimos anos um processo acelerado de gentrificação e os bairros situados na área do Plano de Urbanização do Vale de Chelas, onde uma parte significativa dos edifícios de habitação são de cariz público e estiveram génese em programas de realojamento.

Na zona ribeirinha há um processo de gentrificação intenso e visível que se prevê tornar-se ainda mais evidente nos próximos anos. Este não é o território de intervenção do Sê Bairrista e por isso não temos um conhecimento aprofundado sobre os efeitos da gentrificação em Marvila, e a possível consequente  destruição do tecido social e associativo do local.

Os bairros dos Alfinetes, Salgadas e Marquês de Abrantes (onde intervém o Sê Bairrista) são constituídos por edifícios públicos onde foram realojadas pessoas que viviam neste mesmo território, no bairro Chinês (bairro de génese ilegal e de auto-construção que foi demolido) e pessoas que viviam em vários outros bairros da cidade, também demolidos na sua maioria. Os locais de residência anteriores são ainda, para vários moradores lugares de referência utilizados, por exemplo, em reuniões para falar de espaços públicos importantes para cada um na cidade. Uma parte significativa de moradores vive nestes bairros, e na freguesia, há pouco mais de 20 anos e, por isso, do nosso ponto de vista, estes bairros são lugares em construção em que o sentimento de pertença ao grupo e lugar é ainda frágil. 

O carácter “ilha” que estes bairros assumem, pela sua falta de conexão urbana com os bairros vizinhos, assim como a fragilidade da rede de transportes e a falta de qualidade dos espaços públicos, são fatores que comprometem a relação entre estes bairros e a cidade.

É por isso difícil dizer se Marvila já é bairrista, se continua a ser, e se será, ou não,  mais ou menos, no futuro, Acreditamos que projetos como o Sê Bairrista, que promovem a qualificação dos bairros com a participação dos moradores, são essenciais para fortalecer as relações de vizinhança, e portanto o sentimento de pertença ao lugar e ao grupo.

Projecto Sê Bairrista

Zonas de intervenção: Bairros dos Alfinetes, das Salgadas, e Marquês de Abrantes (Marvila, Lisboa) 

Entidades promotoras: Rés do Chão, Gebalis, Biblioteca de Marvila- Câmara Municipal de Lisboa, Santa Casa Misericórdia Lisboa

Entidades parceiras: Junta Freguesia de Marvila

Financiamento: Junta Freguesia de Marvila, Banco Montepio, Santa Casa Misericórdia Lisboa, Lisboa 2020, Fundo Social Europeu 

Data de início: Junho 2017 – Em curso

ARTÉRIA

O Artéria é uma iniciativa de informação comunitária lançada pelo PÚBLICO com o apoio da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. É feito por voluntários, supervisionados por um jornalista profissional.

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