“Eu ajudei a plantar uma floresta Miyawaki no Parque da Bela Vista”

3 de Agosto, 2022

Reportagem

Diana Lima
Uma voluntária de uma organização ambientalista partilha o seu testemunho sobre o trabalho desenvolvido, ao longo dos últimos meses, na plantação de uma “floresta rápida” no Parque Urbano da Bela Vista. Um processo baseado no método do botânico japonês Akira Miyawaki para dar reposta ao aquecimento global. A prova de que o envolvimento comunitário pode ter resultados poderosos.

Nenhum assunto é tão importante e atual, ou tão falado, como o aquecimento global e a crise climática. É algo comum a todas as zonas do globo. O calor excessivo que se vem fazendo sentir nas cidades, a desflorestação, a degradação dos ecossistemas, a perda de habitat. Tudo isto faz parte do mesmo ciclo de degradação e, se nada fizermos para ajudar a combater estas alterações, em breve será muito difícil, senão impossível, viver nos centros urbanos.

E se houvesse uma maneira para ajudar a inverter esta tendência e impedir que as cidades continuem a comportar-se como ilhas de calor, conseguindo também reconectar as pessoas com a natureza e umas com as outras, para além de ajudar literalmente a plantar a esperança de um futuro melhor? Foi o que descobri quando me tornei voluntária no projeto da URBEM.

A URBEM é uma organização não governamental ONG ambientalista fundada por Sasi Kandasamy, em Portugal, no início de 2021, e que luta contra a crise climática através da criação de “florestas rápidas”, aplicando o método do botânico japonês Akira Miyawaki. Este método inovador tem como objetivo fazer crescer florestas naturais em espaços relativamente pequenos, como é o caso dos parques urbanos. Um dos lemas da URBEM é: A melhor altura para plantar uma árvore foi há vinte anos atrás. A segunda melhor altura é agora.

Fotografia: Pierre Franáois Docquir (insta @pierre.f.photo)

Plantar árvores é a solução, mas precisa de planeamento. Outro fator a ter em conta é o tempo que as árvores demoram a crescer. E tempo é algo que se está a esgotar rapidamente. Ao utilizar o método Miyawaki, conseguimos criar miniflorestas, propositadamente concebidas e bio diversificadas, que atingem a auto-sustentabilidade em apenas três anos e absorvem 265% mais carbono do que os métodos tradicionais de reflorestação. Ajudam a sustentar milhares de plantas nativas e a fornecer habitats para inúmeras espécies locais, o que faz delas um trunfo importantíssimo na luta por temperaturas mais baixas, ar mais puro e um futuro sustentável.

De forma a criar uma reconexão dos habitantes da cidade com a natureza, algo que se foi perdendo com o passar do tempo – muito em especial no último século -, o plano da URBEM pretende ainda incorporar espaços pedestres e eventos de forma a garantir que as pessoas voltem aos espaços verdes e que os utilizem e valorizem também como pólos de ligação social. Além de todos os benefícios que estas zonas verdes conseguem oferecer, seja ambientais seja para a saúde física e mental de todos, há ainda o grande potencial de poderem funcionar como centros comunitários para a educação ecológica, arte, teatro e eventos únicos.

Fotografia: Pierre Franáois Docquir (insta @pierre.f.photo)

O coletivo de voluntários dedicados do qual faço parte inclui biólogos, engenheiros florestais, especialistas em plantas nativas e outros (muitos, muitos voluntários) que têm doado o seu tempo para conseguir que a Floresta Rápida no Parque da Bela Vista, o primeiro projeto da URBEM, se torne uma realidade. Desde a projetação cuidadosa, adequada à parcela e ao clima local, até à fase de plantação e, atualmente, mais de acompanhamento, com vista a criar um resultado sustentável, que, a longo prazo, trará benefícios não só ao ambiente, mas também à comunidade.

Com 74,5 hectares, a Bela Vista é a segunda maior área verde da cidade, a seguir ao Parque Florestal de Monsanto. O parque já possui uma grande diversidade de flora e fauna nativas, mas o projeto que tem vindo a ser desenvolvido pela URBEM vai ajudar a impulsionar esta biodiversidade criando um grande ponto de atração neste espaço urbano.

A amostragem e os testes do solo foram realizados durante a última semana de Agosto de 2021, em coordenação com a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL). A fase de plantação começou em Novembro desse ano e terminou no início de Fevereiro de 2022. É a nossa primeira “floresta rápida” e está a crescer numa área inicial de 300 metros quadrados do terreno de 2500 cedido pela Câmara Municipal de Lisboa (CML) no Parque da Bela Vista.

Fotografia: Pierre Franáois Docquir (insta @pierre.f.photo)

Atualmente, estamos na fase de manutenção das plantas, com frequência semanal -quartas-feiras ao final da tarde -, removendo ervas daninhas e colocando cobertura vegetal para manter o mais possível a humidade do solo.

O trabalho no terreno – e em especial numa encosta – tem os seus desafios. É preciso desenvolvê-lo subindo e descendo. Há que carregar sacos de adubo e palhagem desde a zona de armazenamento, até ao ponto de partida mais abaixo na encosta, seguindo os caminhos que rodeiam a zona da plantação. Houve um ou outro voluntário que escorregou devido à inclinação do terreno – nem sempre temos o calçado mais adequado – , mas sem quaisquer lesões sérias e sempre acompanhado de gargalhadas.

Depois, há que pisar com cuidado, ao entrar na zona plantada, enquanto vamos distribuindo o adubo vegetal, tendo a atenção de não calcar as plantas. Todas as semanas, há ervas daninhas a remover, especialmente um tipo de cana, bastante prolífera no local e de raízes resistentes, principal concorrente aos nutrientes destinados à nossa floresta.

Fotografia: Pierre Franáois Docquir (insta @pierre.f.photo

O cheiro a terra húmida de Novembro passado já desapareceu. Por vezes, está ainda calor, mesmo ao final da tarde, e o que sobressai mais agora é o cheiro a terra junto com palha fermentada, enquanto aplicamos a palhagem. Mas, como a nossa “floresta rápida” é feita também de pequenos arbustos, como rosmaninho, alfazema e alecrim, há também estes perfumes inconfundíveis, quando nos aproximamos destas plantas. E alguns insetos que vão voando de flor em flor.

A cada dia que passa, sinto que a missão ambientalista da URBEM ganha mais força e visibilidade. Estamos a ajudar a criar uma mudança positiva e duradoura que faz toda a diferença para a comunidade e para o nosso planeta.

Para ler mais sobre a missão da URBEM e contribuir para a sua causa ou prestar voluntariado, consulte estes links:


Urbem – Community. Nature. Connection


Help URBEM Build Urban Mini-Forests | Indiegogo


Evento Meetup: https://www.meetup.com/pt-BR/gardening-and-social-drinks/events/287188890

Fotografia: Pierre Franáois Docquir (insta @pierre.f.photo)

O método Miyawaki:


Identificar – estudar o local onde se pretende plantar a minifloresta e selecionar as plantas nativas que melhor se adaptam ao mesmo;


Algumas das principais plantas escolhidas para este projeto: Roselha, Estevão, Sargaço, Gilbardeira, Tojo, Alecrim, Rosmaninho, Alfazema de flôr branca, Loureiro, Medronheiro, Pereira Brava, Murta, Aroeira, Madressilva, Rosa Canina, Roseira Brava, Salsaparrilha.


Preparar – proceder à limpeza do solo, juntando nutrientes orgânicos, e à colocação de elementos que ajudem na retenção de água, como, por exemplo, as valas de infiltração vegetadas (tipo swale);
Plantar – plantar densamente – entre duas a sete plantas/pequenas árvores por metro quadrado (30 vezes mais denso do que as florestas normais);


Cuidar – regar e cuidar das plantas, protegendo-as contra pragas e ervas daninhas durante os três anos seguintes à plantação.

Fotografia: Pierre Franáois Docquir (insta @pierre.f.photo)

Benefícios do método e da Floresta Rápida:


• Conseguir uma arborização em menor tempo e de forma prática em ambientes urbanos densos;


• Criar hotspots de biodiversidade através da plantação de micro-florestas que conectam as comunidades à natureza;


• Capturar CO2 – uma floresta Miyawaki de 300 metros quadrados completamente desenvolvida consegue compensar cerca de 71% das emissões anuais de carbono de três pessoas europeias;


• Diminuir o ruído, baixar a temperatura local e filtrar micropartículas do ar;


• Criar uma plataforma de educação para ensinar e inspirar as comunidades sobre como ter uma vida mais sustentável.

Fotografia: Pierre Franáois Docquir (insta @pierre.f.photo)

O Artéria é um projecto de jornalismo comunitário. É feito por voluntários, supervisionados por um jornalista profissional.

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