Lisboa foi palco da 4ª edição do Simpósio InterAções, que teve como tema “Envelhecer das Grandes Cidades”. Uma iniciativa organizada pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa que nos mostrou, se dúvidas houvesse, a necessidade de olhar para o envelhecimento com outros olhos. Afinal, não só somos uma sociedade envelhecida, como vivemos até muito mais tarde.
Os dados não deixam margem para dúvidas. São vários os estudos que, ao longo dos últimos anos, apontam Portugal como um dos países mais envelhecidos do mundo (quinto lugar) numa lista liderada pelo Japão. O cenário é ainda mais complexo e, porventura, mais dramático se olharmos apenas para o contexto europeu. De acordo um relatório recente do Eurostat que o Público dá conta, a população portuguesa é a que está a envelhecer a um ritmo mais acelerado no conjunto dos 27 Estados-membros da União Europeia: 4,7 anos no período de dez anos (em contraponto com os 2.5 anos de média da UE).
Os Censos 2021 já comprovavam esta tendência. A percentagem de população portuguesa com mais de 65 anos é de 23,5%, ao passo que a população jovem (até aos 14 anos) fica-se pelos 12,9%. Cerca de dois idosos por cada jovem. Deixam claro, também, que metade dos habitantes do país está concentrada em apenas 31 municípios — localizados, sobretudo, nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto.
Um fenómeno que se estende, contudo, a outras fronteiras e geografias. A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) estima que 43,2% das pessoas a nível mundial viva em grandes metrópoles. Não são por isso precisos grandes cálculos para concluir que o número de idosos a viver nos centros urbanos será cada vez maior.
Lisboa não é, naturalmente, excepção. Bem pelo contrário. Os dados demostram que a capital portuguesa é a mais envelhecida da União Europeia, algo que, o fluxo de turistas e o movimento diário de trabalhadores — e até uma certa pujança em termos culturais e a nível de vida nocturna — pode camuflar. Mas a questão é real e é por isso urgente reflectir não só sobre o envelhecimento enquanto fenómeno demográfico, mas também acerca das desigualdades sociais e dos fenómenos de exclusão associados, os efeitos da regeneração urbana e da gentrificação, as questões de segurança, as redes de vizinhança e de cuidadores e ainda o isolamento e a solidão. E, não menos importante, os desafios e obstáculos à operacionalização de projetos na área do envelhecimento.
Os congressistas da 4ª edição do Simpósio InterAções (que se realizou no passado dia 15 de fevereiro, no Cinema São Jorge), não fugiram a estas questões. Ester Quintana, da Câmara de Barcelona — alertou para a necessidade da colocar a tecnologia e a robótica ao serviço dos idosos; Alfonso Lara-Montero, diretor executivo da Rede Social Europeia, reconheceu que os “sistemas de proteção social não estão preparados para este boom de população envelhecida”; já Christopher Phillipson, professor de Sociologia e Gerontologia Social e investigador do Urban Ageing Research Group da cidade de Manchester, dissertou sobre a importância de Cidades e comunidades “Age friendly” — cidades amigas dos mais velhos. O investigador referiu que existem “actualmente quase 1400 cidades e comunidades em 51 países dos hemisférios Norte e Sul que pertencem à Rede Global de Cidades e Comunidades Age Friendly da Organização Mundial da Saúde”. O Porto inclui-se nesta lista, ao contrário de Lisboa que, apesar de cumprir muitos dos requisitos, ficou de fora.
O aumento da esperança média de vida e as questões da longevidade estiverem entre os temas fortes. Javier Yanguas, da Universitat Autònoma de Barcelona, afirmou na sua intervenção “que estamos mais focados nas necessidades dos mais velhos do que nas suas potencialidades”. O segredo, e a dificuldade, estará em saber o que fazer aos 20 ou 25 anos de velhice. “Entre os 65 entre os 90 passam 25 anos, mas a generalidade das pessoas tem a sensação de que é um período em que pouco ou nada acontece, ao contrário de outras fases da vida como, por exemplo, entre o nascimento e os 25 anos, em que parece que acontece tudo”. Referiu, ainda, que a velhice é “muito mais heterogénea do que parece”.
Paulo Machado, sociólogo e Presidente da Associação Portuguesa de Demografia, deu especial ênfase às questões de exclusão e desigualdade sociais, afirmando a necessidade de “resgatar velhas ideias que foram adormecidas e que fazem parte do nosso ADN civilizacional”, recorrendo a valores como a fraternidade e solidariedade. “A questão é saber como actualizamos estes conceitos para o século XXI”, adiantou.
Não afirma que estejamos a fazer tudo mal, mas reafirma a necessidade de “fazer diferente, com uma ambição diferente”, nomeadamente esta tendência de olharmos para a velhice como um todo. Como se os mais velhos fossem todos iguais e tivessem todos as mesmas necessidades independentemente da idade, da geografia e da localização. Quando questionado, pelo Artéria, se as necessidades, expectativas e desejos de alguém com 80 anos que vive numa aldeia do interior serão diferentes das de um habitante com a mesma idade que viva na Graça ou em Alfama, Paulo Machado, estabeleceu algumas diferenças. “No chamado mundo rural, o estatuto social dos mais velhos, e as suas condições materiais e económicas, não são claramente melhores do que o quadro social nas cidades, mas também não são necessariamente mais desvantajosas. Em geral, creio que se pode afirmar que em matéria de acessibilidade a serviços (públicos ou outros), a cidade ganha ao campo, mas em termos de qualidade de vida passa-se o contrário. A pobreza rural é menos aguda, porque existem recursos vários que a cidade não tem, pelo que, mesmo com rendimentos médios porventura menores, a qualidade de vida pode ser melhor. A cidade determina, porém, um maior anonimato e a solidão pode ser mais grave”. Conclui afirmando que, “ponderando vários aspetos, a criticidade da pobreza dos mais velhos é bem maior em meio urbano”, sendo aí que encontramos casos mais gravosos e em maior número.
BALANÇO POSITIVO
Mário Rui André, um dos organizadores do evento, diretor da Unidade de Missão Santa Casa para o programa “Lisboa, Cidade de Todas as Idades”, faz um balanço positivo a vários níveis, desde logo por ter reforçado o InterAções como um evento imagem de marca do programa Lisboa Cidade de Todas as Idades, depois da terceira edição ter decorrido online devido à pandemia”. O tema foi, na opinião do organizador, uma das mais-valias, pois “constitui uma importante linha de investigação para quem estuda as questões da longevidade e envelhecimento”, aludindo à importância de discutir temas como as “desigualdades territoriais e os problemas de gentrificação, segurança e acesso a bens essenciais, bem como do futuro da relação entre cuidadores formais e informais, em particular no apoio às pessoas em situação de maior vulnerabilidade e isolamento social”. Problemas sociais complexos para os quais é preciso encontrar respostas adequadas sob o risco de aumentarmos a desigualdade entre grupos sociais, enfraquecermos a solidariedade entre gerações e não respeitarmos a dignidade humana ao longo de todo o ciclo de vida”. Ainda em jeito de balanço, deixa uma especial referência à adesão, “348 participantes presenciais, 439 via plataforma online e mais de 1400 por Youtube”.
Sobre as sementes que um evento deste género deixa para o futuro, Mário Rui André também não tem dúvidas. Ficou reforçada a “nossa convicção de que, para abordar as questões complexas inerentes aos desafios do envelhecimento nas grandes cidades, temos de nos apoiar num plano estratégico a médio/longo prazo, que envolva todas as partes interessadas”, nomeadamente o “ setor público, privado e sociedade civil”, em particular “dando voz e poder de decisão às pessoas pois são elas que poderão fazer a diferença num novo modo de encarar o envelhecimento ativo e saudável”.
Quando questionado se Lisboa estará no bom caminho nesta área, refere haver ainda muito a fazer, mas que a cidade é “caso paradigmático” pois já tem caminho feito “quer no âmbito da Rede Social de Lisboa, quer no papel desempenhado pelas juntas de freguesia” e que isso ficou evidente tanto “na resposta à crise provocada pela pandemia”, como “pelas políticas públicas levadas a cabo pela autarquia”, dando como exemplo a vontade de “melhorar a mobilidade e o acesso a bens culturais”.
Realça ainda o papel que o “Programa Lisboa Cidade de Todas as Idades” tem neste processo, “um veículo estratégico privilegiado para promover uma abordagem integrada e intersectorial para a área da longevidade e envelhecimento, tal como nos referencia a OMS”.
O Artéria é uma iniciativa de informação comunitária lançada pelo PÚBLICO com o apoio da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. É feito por voluntários, supervisionados por um jornalista profissional.
TAMBÉM QUER PARTICIPAR?
Envie-nos um email para arteria@publico.pt, dizendo-nos que histórias
quer contar ou como gostaria de contribuir para o Artéria. Terá sempre resposta.