Vontade de corrigir “desequilíbrios” em Lisboa une activistas

21 de Outubro, 2022

Reportagem

Samuel Alemão
O debate Artéria dedicado às causas dos activistas que fazem da capital portuguesa o palco da sua vontade de mudança social reuniu vozes em defesa das árvores, das bicicletas, da habitação e de melhor cidadania. Na sala de extracções da Lotaria Nacional, falou-se, sobretudo, na necessidade de se criar uma sociedade mais justa e mais humana. Mas sempre cientes da complexidade de tal tarefa.

As causas, os métodos e as motivações são distintas, mas a vontade de todos é a mesma. Fazer de Lisboa uma cidade com melhores condições de vida e, no fundo, mais justa socialmente. Esta foi a ideia dominante das quase duas horas do debate “O que move os novos activismos de Lisboa”, organizado pelo Artéria e que aconteceu ao início da tarde desta sexta-feira, na sala de extracções da Lotaria Nacional, no edifício sede da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) – parceira do PÚBLICO no projecto Artéria. E, com toda a certeza, percebe-se que quem se dedica ao activismo urbano na capital fá-lo por vontade de ajudar a corrigir os problemas que os poderes públicos demoram em resolver.

“O activismo nasce, muitas vezes, de se detectar um desequilíbrio que importa corrigir”, afirmou Laura Alves, defensora do uso da bicicleta em contexto urbano, autora do livro “A Gloriosa Bicicleta”, e um dos quatro participantes no debate, moderado por Luciano Alvarez, jornalista do PÚBLICO. Luís Mendes, docente universitário, geógrafo e membro do colectivo Morar em Lisboa; Pedro Miguel Santos, jornalista do projecto Fumaça e promotor do manifesto “Árvores em Todas as Ruas de Lisboa”; e Rui Martins, fundador do grupo Vizinhos de Lisboa, foram os outros participantes num painel dominado pela certeza de que as posições que cada um deles toma vão, frequentemente, causar irritação em vários sectores da sociedade.

Mais que isso, esse assumir de uma divergência clara em relação ao estado das coisas tem, quase sempre, um cunho político, ao expôr diferenças de diagnóstico em relação à realidade observável na sociedade e de abordagem de soluções. “Há poucas árvores em Lisboa e, por regra, elas estão onde estão os mais ricos. Onde moram os pobres e a classe média, muitas vezes, não há árvores. Por isso, temos de tomar medidas para as democratizar e as levar a todos os habitantes da cidade”, considerou Pedro Miguel Santos, salientando os claros benefícios ambientais e para a saúde pública de um mais abrangente coberto arbóreo. Mas não só. “As árvores melhoram a sociabilidade dos locais onde existem”, frisou o activista, que pugna pela plantação de árvores em locais agora ocupados por estacionamento automóvel.

Também salientando as fracturas sócio-económicas observáveis, Luís Mendes pô-las no centro das razões para a existência de um grave problema de carência de habitação a preços comportáveis e justos para uma larga maioria da população. “Este é um problema grave, uma crise estrutural. Tem de haver mais acção política no sentido de o Estado regular o mercado privado da habitação, pois apenas temos dois por cento de habitação pública. Nisso, como noutras coisas, estamos na cauda da Europa”, criticou o membro do Morar em Lisboa. Por isso, defende, a solução deverá passar por os poderes públicos irem “buscar as casas à finança e à especulação”. Uma forma de corrigir um forte desequilíbrio, dando ao Estado o papel de principal protagonista no necessário reequlíbrio. Algo que, no fundo, não foge ao que, de um modo geral, defendem os restantes membros do painel.

Tal como não divergiram muito na assumpção de que existe um sentimento generalizado de o activismo urbano ser algo mais dominante à esquerda do espectro político. Tanto que o moderador questionou os participantes sobre as razões dessa percepção pública. Notando que os movimentos sociais reflectem os diferentes posicionamentos existentes na sociedade, Rui Martins, dos Vizinhos de Lisboa, admitiu que a sua função de representatividade das diferentes famílias ideológicas acaba por ser “disfuncional”. “O centro político, que é quem decide as eleições, não está presente nos movimentos sociais. Por regra, quem domina estes movimentos são a extrema esquerda e os anarquistas. Uns porque os utilizam como base para tentar recrutar gente para as suas listas e os outros porque não gostam dos partidos”, afirmou. Rui Martins, que se diz defensor não de uma causa particular, mas sim da “cidadania local e da democracia participativa”, salientou ainda que a direita, “paradoxalmente, acaba por estar presente de forma inorgânica, como aconteceu na luta contra as ciclovias”.

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