Os eléctricos começam cedo, pegam de madrugada, largam à noite. Impossível conceber Lisboa sem este serpentear, embora mais tímido que no passado. Era como se lhe subtraíssem de repente edifícios, essas pequenas vivendas, constantemente a mudar de sítio.
Amarelos puros noutros tempos, agora publicitados ou grafitados alguns, conseguem, ainda assim, não perder a identidade e continuar a transportar cidadãos através de ruas, avenidas e ruelas. Desapareceram, entretanto, muitos modelos, elegantíssimos alguns, que, no entanto, subsistem no Museu da Carris, em Santo Amaro.
Há também uns outros eléctricos, curiosos, excêntricos – um deles é mesmo um paralelogramo se visto de lado, o da Bica -, antigos, muito populares e muito úteis. Chamam-lhes elevadores, mas são eléctricos. Eléctricos especialistas em certas artérias híper-íngremes. Dedicados apenas a pequenos e muito inclinados percursos que percorrem subindo e descendo sem parar, inversamente e aos pares, cruzando-se e cumprimentando-se a meio, através de três tortuosas ladeiras da cidade.
Em pouco minutos, desaparecem de uma parte e materializam-se noutra absolutamente diferente, como se se tratasse de uma outra cidade. O meu espanto e maravilhamento de menino, quando neles viajava e tal mistério constatava…Provavelmente, foram a minha iniciação na literatura de ficção científica, de que passei a ser um fã, em particular da Colecção Argonauta.
Há também um transportador vertical – esse, decididamente identificado como elevador – que leva pessoas de um nível zero a alturas espaciais, de onde se pode avistar a cidade quase por inteiro.
Pela noite, fatigados, os eléctricos recolhem finalmente a casa, em Santo Amaro. Se os formos espreitar, podemos senti-los calmos e sossegados. Permanecem displicentes e descontraídos, finalmente alheados do borburinho urbano, olham-nos com indiferença.
Os eléctricos serão sempre algo fundamental na cidade de Lisboa, fazem-lhe parte, não se cansam de a percorrer, alimentam-na esteticamente.
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