Almirante Reis como um todo, ativismo como uma parte

30 de Setembro, 2022

Reportagem

Daniel Pedro
Nos últimos anos, vários movimentos de cidadãos têm feito campanha para melhorar a qualidade de vida numa das mais icónicas avenidas lisboetas e nas suas imediações. Mas também para combater o que nela consideram estar errado. O Artéria procurou descobrir o que os move. E percebeu que as preocupações ambientais dominam as atenções.

Os problemas relacionados com a Avenida Almirante Reis não se resolverão de um dia para o outro, nem só com uma única medida implementada. Pode-se, contudo, destacar a prioridade dada à questão da circulação automóvel como um dos principais dilemas apontados pelos ativistas que se têm mobilizado pela avenida.

“Como é que o espaço público ficou dominado pelo carro?”. Esta é uma das perguntas colocada por Susana Simplício, uma das vozes do movimento pela criação de um jardim na praça do Martim Moniz. “As pessoas continuam a defender uma coisa que é prejudicial para o bem comum”, afirma Susana, referindo-se à forma como várias cidades europeias já estão a cortar o trânsito nas zonas centrais. “Temos de nos adaptar às nossas realidades, mas podemos seguir o exemplo das outras cidades”.

O movimento pela criação de um jardim no Martim Moniz surgiu na primeira metade de 2019. Mas, até agora, ainda não pôde assistir à tão desejada empreitada. Susana Simplício, atualmente moradora nas Caldas da Rainha, admite mesmo que se fartou de Lisboa pelos grandes constrangimentos existentes na cidade. Embora diga que a capital é “uma cidade bonita em vários aspetos”, considera ter “potencial para ser melhor”. A ativista alude ao reconhecimento como Capital Verde Europeia 2020.

Tornar Lisboa mais verde acaba também por ser uma das ideias a mover outro movimento. Integrando ativistas como Ksenia Ashrafullina, Rita Prates, Diogo Machado e Pedro Ramos, entre outros, o grupo Lisboa Possível assume a causa de tornar a capital segura, com espaço suficiente para se circular e se tenha em consideração a proteção dos mais vulneráveis, como, por exemplo, pessoas de mobilidade reduzida, grávidas e crianças.

Questionada pelo Artéria sobre os motivos para, apesar de tudo, não haver mais pessoas a circular de bicicleta na Avenida Almirante Reis, Ksenia resume-os essencialmente a dois: o medo de serem atropeladas e, no caso das mulheres, o medo de um ataque que ponha em causa a sua integridade física. Já Diogo Machado, médico anestesista, considera que “a cidade estará bem quando os mais vulneráveis tiverem espaço para circular” à vontade. Susana Simplício revela que também sentiu na pele situações de intimidação, enquanto circulava de bicicleta na cidade.

Centrado na promoção da mobilidade sustentável, o movimento Lisboa Possível entregou recentemente à Assembleia Municipal de Lisboa uma petição pela criação de uma rede de ciclovias seguras na Baixa. Diogo Machado, um dos seus membros, considera não existirem liberdade e igualdade de circulação na avenida. O que também não observa na recente proposta do presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas. Como refere Pedro Ramos, outro dos membros do movimento, “não estamos a falar de acabar com os carros, estamos, na realidade, a dizer que temos de devolver a cidade às pessoas”. Ou seja, a cidade tem de ser repensada, pois foi “raptada pelo carro”.

Diogo Machado, Ksenia Ashrafullina e Pedro Ramos, do Movimento Lisboa Possível

Para além da mobilidade sustentável, outra das preocupações relacionadas com a avenida tem que ver com os espaços verdes. Ao descer a Almirante Reis, passando pela Alameda, até se chegar ao Martim Moniz, não se encontra nenhuma outra área do género ao longo do percurso.

Aquilo que o movimento Jardim Martim Moniz pretende, desde o início, é a criação de um novo espaço verde na praça que possa atenuar alguns dos problemas existentes. Susana Simplício entende que a demora no processo faz com que as pessoas acabem por perder a fé. O objetivo é ter mais árvores na cidade. “Lisboa tem vários espaços verdes, mas precisa de mais”, diz Susana.

De acordo com Miguel Pinto, um dos militantes pela criação do jardim do Caracol da Penha, ainda em 2022, e se tudo correr como previsto, será, por fim, inaugurado um novo espaço verde no que já foi um matagal num terreno situado entre a Rua Cidade de Cardiff e a Rua Marques da Silva, mesmo junto à Almirante Reis, e dividido entre as freguesias de Arroios e da Penha de França. Para o movimento, é necessário “olhar para a avenida enquanto artéria em que as pessoas vivem e criar condições para que seja mais confortável e aprazível” circular.

A génese do movimento encontra-se num conjunto de moradores e amigos que apresentou uma proposta ao Orçamento Participativo de Lisboa em 2016, na qual se propunha a criação do espaço verde em alternativa à construção de um parque de estacionamento no terreno. Para além deles, o grupo também se constitui de outros voluntários, sendo, portanto, relativamente flexível. Dentro do movimento existe, porém, uma organização fixa, a Associação Caracol Pop, como explica Miguel Pinto. “É importante ter uma estrutura formal, pelo menos, para determinado tipo de situações”, diz.

Os membros do movimento Jardim Caracol da Penha foram os primeiros subscritores de uma carta aberta, assinada por várias associações, difundida no PÚBLICO em Setembro de 2021 e dirigida ao recém-eleito presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, a propor um processo de reflexão profunda sobre a Almirante Reis. O núcleo da proposta relacionava-se com a ciclovia, mas Miguel Pinto considera redutor dizer que o processo dizia apenas respeito à mesma, pois existem imensas questões em torno da avenida. “Há muito para discutir sobre a Almirante Reis”, afirma. A ciclovia acaba por ser apenas a ponta do icebergue.

O Artéria é um projecto de jornalismo comunitário. É feito por voluntários, supervisionados por um jornalista profissional.

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