João Paulo quer ver os seniores de Calhariz de Benfica a sorrir

26 de Outubro, 2022

Reportagem

Samuel Alemão
Num bairro de habitação social junto à fronteira da cidade com o município da Amadora, é evidente o envelhecimento da população. Após o fecho de uma associação local de apoio a idosos, um morador da zona arregaçou as mangas. Apesar de desempregado na sequência da pandemia, decidiu, juntamente com uma amiga, criar uma outra coletividade para cumprir tais funções. E mais algumas. A Oficina Criativa da Calhariz Apoio Directo está a mexer com o amor-próprio dos moradores mais velhos da área. E a fortalecer o sentimento de pertença à comunidade.

É com evidente satisfação que João Paulo Santos, 47 anos, mostra ao Artéria os abrigos para gatos que, nos últimos meses, se tem entretido a construir com placas de contraplacado. “Este está em fase de acabamento e, em breve, vai ser entregue à Junta Freguesia Mina de Água, na Amadora”, conta, rodeado por pedaços de madeira e ferramentas reunidas no ateliê em que, com a amiga Ana Antunes, 37 anos, tem trabalhado graciosamente no âmbito da Oficina Criativa da Associação CAD (Calhariz Apoio Direto).

Uma ideia surgida das cabeças de João e de Ana, quando ambos estavam desempregados. “Trabalhava na área comercial, mas sempre tive uma preocupação com a intervenção na comunidade”, explica. O resultado dessa inquietação social, formalizado em associação em Março do ano passado, tem como principal intento mobilizar os residentes mais velhos do Calhariz de Benfica, aumentando-lhes a autoestima e fomentando o sentido comunitário. Mas oferece-se a todos os que queiram participar.

“Temos um foco na população sénior, embora, na verdade, estejamos abertos a trabalhar com toda a população”, explica este homem de modos serenos e sorriso a emanar um misto de optimismo e resolução, como que indiciando saber que faz o que está certo. A construção dos gatis, inicialmente realizada em parceria com a Junta de Freguesia de Benfica, é apenas uma das actividades de uma associação nascida da vontade de fazer o melhor pelas pessoas da zona.

Durante o mês de Outubro, começaram os workshops de iniciação à fotografia e também os de pintura em acrílico. Lições dadas em instalações cedidas pela junta, num dos diversos pavilhões onde, até há alguns anos, funcionava o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária – e recuperadas por João, Ana e os amigos, em todas as suas horas disponíveis. Logo a seguir, a Oficina Criativa CAD oferecerá também ateliês de pintura, de têxteis, de maquilhagem e de cozinha.

Mas essa é apenas uma das vertentes da Associação CAD. Em breve, e quando todas as formalidades legais estiverem cumpridas, uma outra valência surgirá, a do serviço de apoio domiciliário aos idosos do bairro. “Há uma grande população sénior. Esta zona do Calhariz de Benfica tem todas as características de um território com gente muito envelhecida”, conta João Paulo, para quem o envolvimento no suprimento das necessidades da sua comunidade surge como algo natural. Afinal, sempre ali viveu.

Formado em comunicação, trabalhava há alguns anos numa multinacional na área das telecomunicações que, não atravessando um bom momento em termos de vendas, decidiu encerrar as operações em Portugal durante a crise pandémica. Em 2020, João viu-se desempregado. “Como estava no fundo de desemprego, tive mais tempo”, admite, salientando o facto de, na verdade, o desejo de se envolver mais com os assuntos da comunidade já crescia nos últimos anos. “Cada bairro tem uma personalidade distinta dos outros. E eu sempre quis participar”, diz.

A desocupação laboral de João acontecia ao mesmo tempo da de Ana, que, por coincidência, se havia mudado também para o Calhariz de Benfica, não há muito tempo. Noutro sinal de alinhamento de circunstâncias, pela mesma altura, uma associação de cariz social que, até então, prestava apoio domiciliário a alguns idosos do bairro encerrou. Estavam reunidas as condições para tomarem o seu lugar. Nascia assim a Associação CAD (Calhariz Apoio Direto). Agora, dentro de pouco tempo, terá instalações para o serviço de apoio domiciliário numa loja de um prédio do Bairro Sargento Abílio, gerido pela empresa municipal de habitação, Gebalis.

Ficará paredes-meias com a sede da Associação de Moradores do Bairro Calhariz de Benfica, da qual, entretanto, João Paulo Santos se tornou também presidente. Toda esta actividade tem-lhe ocupado imenso tempo e a título gracioso. Em nome da comunidade. Mas é algo que faz com todo o prazer, percebe-se. Entretanto, e após mais de dois anos no desemprego, este filho do bairro começou a trabalhar novamente no início de Novembro, na mesma área de sempre. “O que vai permitir dedicar-me à associação em horário pós-laboral”, diz, empolgado. Querer ajudar é a sua principal motivação.

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