O sol no Restelo encontra-se abrasador. Felizmente, não demora muito até que abram a porta de um pequeno escritório que irá servir de refúgio do calor. Quem chega primeiro é Sara Morais Pinto, uma das fundadoras da Zero Waste Lab. Depois de nos instalarmos numa mesa circular, bem no centro do escritório, Ana Salcedo e Cristina Sousa são as próximas a chegar, ambas também fundadoras da associação.
Tudo começou com uma formação de lideranças criativas. Foi ali que as três fundadoras se conheceram, bem como outras pessoas que deram luz ao projeto, em 2017.
Ao contrário do que, à primeira vista, se poderia assumir de uma associação como a Zero Waste Lab, ela não tem o ambiente como causa número um. As três fundadoras concordam que o ambiente é só uma lente. “O ambiente não é algo de apontar o dedo” diz Sara.
Cristina diz ter sido sempre ativista pelas melhores causas que defendam a qualidade de vida das pessoas e a sua felicidade. Nesta equação, “o ambiente é daquelas que é mesmo impossível não defender”. Ana, por outro lado, fala de como os avós e os pais sempre lhe transmitiram a ideia de que “devia deixar os lugares melhores do que quando os encontrou”.
Lixo Zero Mouraria
Lixo Zero Mouraria foi o projeto que marcou a estrutura e o caminho da associação. “Trouxe não só o trabalho com a comunidade da Mouraria, como também fez com que existisse flexibilidade e espaço para nos assumirmos enquanto associação”, explica Sara. Foi durante um ano que a Zero Waste Lab esteve focada na Mouraria, inclusivamente com sede lá instalada. “Estávamos incubados no Centro de Inovação da Mouraria e fez-nos sentido olharmos para o sítio onde estávamos, para o nosso pequeno ecossistema”.
Um outro projeto voltado para as escolas da Mouraria, bem como para os bairros mais próximos chegou, entretanto. Este era “mais focado no ecossistema escola enquanto ponto de encontro entre as famílias e a comunidade”. As fundadoras sabiam que não era suficiente ficar por aquilo que se ensina na sala de aula, quando depois se verifica “uma falta de coerência naquilo que é praticado pela escola”.
Para a Zero Waste Lab, as ferramentas fornecidas têm sempre um modelo que lhes permite serem utilizadas por outras escolas, como é o caso do guia pedagógico e um diagnóstico do impacto dos resíduos da escola.
Enquanto se conversa abertamente sobre alguns dos projetos passados, Sara diz que sempre existiu uma vontade de agregar, de criar relações. Mas Ana acrescenta que “é preciso cuidar das relações”, continua, “se estamos a falar do meio ambiente, todo o processo das relações humanas está subentendido e tem de evoluir com o mesmo carinho e cuidado”.
O berço da ideia
Logo de início, o objetivo foi estabelecido, bem como um plano estratégico curto e focado. A partir daí, foram surgindo oportunidades de trabalho. Aquilo que, até aí, era algo guardado para os tempos livres começou a ser alvo de toda a energia. “Foi esse o momento de oficialização”, admitem as três. “Embora haja associações que estão há vinte ou trinta anos a trabalhar nisto, acredito que somos todos berços uns dos outros”, refere Cristina. E sublinha o espírito de adaptação do projeto: “Somos a favor da desigualdade dentro da igualdade. Não somos nada de processos ou receitas que se aplicam. Traçamos o caminho à medida do que a pessoa, cidade ou empresa precisar”.
Projetos a marinar
A Liga Ação – Rumo ao Desperdício Zero é um projeto que “está mesmo a arrancar”, como diz Ana. A ideia é criar uma plataforma digital de trabalho que sirva de ferramenta de comunicação de modo a juntar movimentos, iniciativas e organizações que trabalhem a questão do desperdício zero e a que as mesmas se possam encontrar, de modo a trabalhar em conjunto em medidas, campanhas e informação rigorosa.
“Queremos trabalhar questões muito particulares da circularidade, nomeadamente o granel e a reparação, trabalhando com todos os parceiros”, confessa Cristina. Cerca de 86 instituições já mostraram interesse em fazer parte e as fundadoras lançam um apelo ao público para estar atento e manifestar o interesse das organizações para pertencer a esta plataforma.
Num futuro mais imediato, o projeto Replay é também um outro grande objetivo. “Pode vir a marcar a muitos níveis, tanto em Portugal como fora”, acrescenta Cristina. O projeto-piloto provou que é possível não canalizar os resíduos para o aterro. Agora a associação tem um novo parceiro a fazer um estudo do sistema RAP (Responsabilidade Alargada do Produtor).
O Replay foi inclusivamente um projeto reconhecido na União Europeia, ao ser galardoado com o primeiro lugar do prémio Shaping: a circular industrial ecossystem and supporting life-cycle thinking. A iniciativa é da Comissão Europeia, que está a liderar o Green New Deal.
Mais projetos
Por vezes, existem imensas coisas a acontecer nos bairros, mas que as pessoas que lá habitam desconhecem. “A informação é muito dispersa”, diz. O objetivo é perceber onde se podem criar pontos de divulgação, trabalhar em proximidade com as entidades sociais. Daí a ideia de mapear infraestruturas numa plataforma online.
O Lisboa Lixo Zero (lisboalixozero.zerowastelab.pt/) é um mapa interativo de Lisboa onde se podem ver as lojas, serviços, equipamentos, espaços e infraestruturas que promovem, de forma sustentável, o bem-estar da comunidade. Qualquer um pode adicionar um novo local ao mapa. Para isso, basta preencher um formulário de submissão. O mapa apresenta uma vasta lista de categorias, desde hortas urbanas, a compostores, passando por lojas com venda a granel, serviços partilhados, recolha de resíduos e segunda mão.
Já a Escola a Compostar, outra iniciativa da associação, divulga a prática da compostagem, ou seja, a reciclagem de resíduos orgânicos, nomeadamente a compostagem feita em apartamentos. A escola funcionou tanto a nível presencial como online, e a inscrição foi completamente gratuita. Ao todo, inscreveram-se 1200 alunos em três meses.
O projeto deu-se por terminado, mas os seus conteúdos, manuais e vídeos estão disponíveis no website. “Deixamos sempre coisas para disseminar”, diz Sara. “Ao fim e ao cabo, não pertence apenas à associação, mas a todos”.
Unidos por um futuro
A pandemia permitiu uma maior introspeção por parte das pessoas. Não só se deu uma maior procura sobre como fazer determinados produtos, por exemplo pão, como a população, ao estar mais em casa, se deparou com o seu próprio lixo. Cristina vê este questionamento social como algo muito interessante para o futuro da associação.
A mensagem que permanece nesta associação ativista e com foco na comunidade é a ideia de, nas palavras de Ana Salcedo, “procurar saber mais, para também querer fazer mais”. As três fundadoras concordam que tudo é uma questão de atitude e “ou te queixas ou fazes alguma coisa para mudar. Entre nós, temos esse impulso de, pelo menos, tentar”.
No fim de contas, tentar não tem de ser um peso, mas sim uma grande aventura. “Fazer do mundo um lugar melhor é das coisas mais bonitas que se pode fazer”.
O Artéria é um projecto de jornalismo comunitário. É feito por voluntários, supervisionados por um jornalista profissional.