A cidade de Lisboa tem, desde agosto de 2019, um serviço odontopediátrico gratuito para bebés, crianças e adolescentes. Chama-se SOL. Fomos conhecê-lo.
No Barómetro da Saúde Oral da Ordem dos Médicos Dentistas, relativo a 2022, constata-se que cerca de 30% dos portugueses não foram ao dentista por razões financeiras. O mais paradoxal é que o mesmo relatório mostra que 55,9% não tinha conhecimento da existência da medicina dentária no SNS. Já entre aqueles que sabiam, poucos recorreram, contudo, a esta especialidade (6,9%).
Foi para contrariar esta tendência e trabalhar desde cedo para uma saúde oral sem problemas, que nasceu o SOL – Serviço Odontopediátrico de Lisboa. Um projeto da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa que fornece, desde agosto de 2019, consultas e tratamentos gratuitos a crianças e jovens até aos 17 anos. “Se este trabalho for feito de base, dificilmente teremos problemas no futuro”, afirma o director clínico André Brandão de Almeida.
O responsável confessa, ainda assim, ter tido algumas dúvidas iniciais, nomeadamente o medo de serem olhados com desconfiança pelo facto dos tratamentos não terem qualquer custo. Exatamente por essa razão realizaram um estudo. “Creio que eram dois terços das pessoas que disseram que vinham, mas tinha de estar perto de casa e ser uma entidade credível”, relembra André. Assim, os alicerces foram montados na Alameda, mesmo à saída do metro para a Avenida Almirante Reis.
Com mais de 14 mil utentes (oriundos de 52 países, com especial destaque para o Brasil, Afeganistão e o Nepal), têm nas crianças entre os seis e os 12 anos a faixa etária que mais os procura. Todos eles cidadãos portugueses (ou estrangeiros já com a cidadania portuguesa) residentes na cidade. Para o diretor clínico, estes dados espelham o facto de Lisboa “ser cada vez mais uma cidade multicultural”.
A medicina dentária preventiva é a base do SOL. “O ideal era estarmos a prevenir, a fazer literacia, a envolver familiares, mas o problema é que nós ainda estamos muito vocacionados para restaurar, reabilitar, em vez de prevenir”, explica André.
Sandra Ribeiro trabalha na clínica desde o dia em que abriu. Acredita que é essencial “ajudar crianças que vêm de todos os escalões etários”, até porque considera haver “poucos recursos da parte dos pais” para educar sobre saúde oral e assim, com este serviço, conseguem tanto ajudar pais como crianças. Os dados comprovam esta realidade. Ainda segundo o barómetro, 65,2% dos menores de seis anos nunca foram ao dentista.
André Brandão de Almeida revela que, nos dados relativos ao ano de 2021, nove mil consultas que estavam agendadas não foram realizadas. Isto acontece ou por “negligência da parte dos pais ou por esquecimento”. O diretor clínico admite que “ainda se recorre ao médico dentista apenas quando há dor”. No entanto, como aqui não existe “a barreira financeira, acontece menos”, ressalva.
Todo o acompanhamento é gratuito, exceto os tratamentos ortodônticos para aqueles que não têm abono de família. Sónia Borba acompanha a filha que vai pôr aparelho fixo e, mesmo não tendo o abono, confessa que é uma ajuda não pagar as consultas de rotina, pois “como a vida está, é um bocado difícil suportar as despesas.” Já no gabinete ao lado, Madalena, com 13 anos, vai também colocar um aparelho, mas no céu da boca, de forma a abrir espaço no maxilar de cima. Não está nervosa e é com prontidão que diz que “a boca é um dos sítios em que devia haver mais higiene, porque podemos apanhar várias infeções, até noutros órgãos”. Há cerca de dois anos que vem à clínica e considera que, muitas vezes, “as pessoas se esquecem de tratar bem da boca e dos dentes”.
A partir dos 18 anos os utentes já não podem continuar a ser acompanhados no SOL, exceto aqueles que estiverem a meio do seu tratamento ortodôntico.
Uma má saúde oral pode levar a uma má saúde geral “e pouca gente sabe disto”, avisa André Brandão de Almeida, ele que vê nos centros de saúde uma base para divulgar mais informações sobre esta área. Além da família, um ponto fulcral onde se pode e deve apostar mais na literacia. Até porque, na maioria das vezes, “a fobia do médico dentista vem dos pais”.
Numa investigação realizada pela própria clínica, que contou com 998 pacientes, teve-se conhecimento de um dado alarmante: das crianças entre os três e os seis anos, que têm 20 dentes de leite, a média de cáries é de 5,5 dentes. O diretor considera que a escola tem um papel fulcral na questão da nutrição e alimentação, assim como os pais. “As crianças têm uma livre demanda de açúcares inacreditável e o açúcar, as pessoas ainda não se convenceram, é um veneno e, portanto, crianças de três e seis anos a comer bolachas com açúcar todos os dias não pode ser.” Trabalhar a partir da base, com os bebés, as crianças e os jovens até chegarem à idade adulta, permite prevenir doenças como as cáries, que são “a doença crónica mais comum e que só pode ser parada se mudarmos os hábitos”.
O espaço na Alameda está a tornar-se pequeno para o número de utentes e estão, por isso, já a pensar na expansão. André Brandão de Almeida acredita que estão a ajudar a mudar o paradigma da saúde oral em Lisboa. “Se começarmos a tratar agora, na capacitação do agregado familiar, daqui a 20 ou 30 anos terão uma saúde oral extraordinária”, conclui.
ARTÉRIA
O Artéria é uma iniciativa de informação comunitária lançada pelo PÚBLICO com o apoio da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. É feito por voluntários, supervisionados por um jornalista profissional.
TAMBÉM QUER PARTICIPAR?
Envie-nos um email para arteria@publico.pt, dizendo-nos que histórias
quer contar ou como gostaria de contribuir para o Artéria. Terá sempre resposta.