Crónica

Rui Martins

Algumas soluções e propostas para melhorar o “Na Minha Rua”

19 de Setembro, 2022

A participação dos cidadãos na resolução dos problemas da sua comunidade também é feita de gestos tão elementares como denunciar buracos no pavimento ou candeeiros que não funcionam. O problema é quando os canais criados pela autoridades para o fazer, como o “Na Minha Rua”, em Lisboa, parecem deixar muito a desejar. O activista Rui Martins, fundador do grupo Vizinhos do Areeiro, deixa críticas e sugestões para que as coisas passem a funcionar melhor.

Nos últimos anos, abri mais de três mil ocorrências na aplicação “Na Minha Rua” da CML (Câmara Municipal de Lisboa). De passagem, fui tratado com ironia em assembleia de freguesia, quando intervinha no “período do público” por um membro do executivo de Junta (“esperamos agora pelo seu levantamento de todos os bancos da freguesia que precisam de repintura“) e registei que o meu trabalho de cidadania servia para propaganda eleitoral por parte destes eleitos e como demonstração de “trabalho” por parte de um executivo de Junta que dependia totalmente do trabalho de levantamento e inventariação de ocorrências feito por mim e por outros cidadãos para exercer as competências que, por lei, salário e mandato democrático, são suas.

A aplicação “Na Minha Rua” (ou “GOPI: Gestão de Ocorrências e Pedidos de Intervenção”) foi lançada em 2018 e é descrita como um “portal de ocorrências onde se pode participar problemas em espaços públicos, equipamentos municipais e higiene urbana que necessitem de intervenção dos serviços da Câmara Municipal de Lisboa ou das Juntas de Freguesia” (“Informação Escrita” da CML em de Janeiro de 2022), tendo, entre 1 de dezembro de 2021 a 31 de janeiro de 2022, registado mais de 22 mil registos de ocorrências, das quais 86% foram dadas como “resolvidas”.

E esta é a segunda nota que aqui faço. Além da dependência excessiva desta aplicação, pois o GOPI encaminha para as juntas o processo de resolução das ocorrências da sua área de competência, o registo é ineficiente, lento ou erróneo em muitas destas situações. As ocorrências cuja tipificação corresponde às competências das juntas não deveriam estar presentes nesta aplicação ou, estando, deveriam ser estas a atualizar diretamente o estado da ocorrência para resolver esta ineficiência estrutural do sistema. Igualmente, deveriam ser conhecidas – transparência – em tempo real e online as ocorrências pendentes de resolução em cada Junta de Freguesia, assim como a razão da sua pendência.

A CML não diz quantas destas 22 mil ocorrências foram abertas por funcionários da autarquias, das juntas de freguesia ou eleitos locais, mas – pelo exemplo da minha junta – diria que nenhuns ou quase nenhuns. Isso a mim causa-me muita perplexidade e alguma estranheza: os nossos eleitos não andam pelas ruas das suas autarquias? Não passam – como nós – por candeeiros desligados, por buracos no betuminoso, danos na calçada ou pelo lixo abandonado na via pública em torno de candeeiros ou ecoilhas? E se não passam: porque não passam? Será que vão a todo o lado de carro e o estacionam em lugares reservados (como a dezena reservada para a AML e CML no Fórum Lisboa) e não contactam, assim, com a mesma realidade com que quem anda nas ruas contacta e observa?

Acho absolutamente espantoso e totalmente contrário ao espírito do objectivo do “Na Minha Rua”, que foi criada como uma forma acessória, hiperlocal e auxiliar de comunicação dos cidadãos com as autarquias, esta apropriação hiperdependente do nosso “trabalho” cidadão (nunca ouvi um só “obrigado” por estar a fazer o trabalho pelo qual são pagos para fazer). Não compreendo estes eleitos locais que ou não saem, nunca, tarde dos seus gabinetes, ou não querem saber dos cidadãos que os elegeram, ou não querem conhecer o território (nem o mais imediato, como provam os candeeiros desligados há semanas frente à minha junta de freguesia) ou, simplesmente, só entram na sede da junta de carro directamente de e para a garagem.

É certo que – ao menos – estes eleitos seguem tudo o que publico nas redes sociais e mandaram os seus serviços fazerem o mesmo, em busca de situações que possam resolver. Mas, de facto, tinham o dever se anteciparem às redes sociais e estarem no terreno, identificando e resolvendo situações antes destas merecerem a atenção, a revolta e a indignação (nesse respeito, o que se está a passar com o lixo é chocante). Dos nossos eleitos locais, esperamos que sejam proactivos e não apenas reactivos!

O sistema de reporte pelos cidadãos nunca pretendeu ser a única forma de as autarquias (CML e juntas) saberem e repararem as situações, mas, dada a inércia e falta de vontade de alguns em trabalhar e em sair do gabinete, acabou por se tornar na principal origem de identificação de problemas. E isso é inaceitável e deveria mudar, quer pelo aumento de registo de ocorrências realizadas pelos funcionários das autarquias (CML e Juntas), quer, sobretudo, pelo incremento do registo de ocorrências por parte dos eleitos locais ou, idealmente, pela sua presença activa e constante no território que deveriam conhecer como a palma das suas próprias mãos.

O Artéria é um projecto de jornalismo comunitário. É feito por voluntários, supervisionados por um jornalista profissional.

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