Passeio Artéria dá a conhecer riqueza da calçada portuguesa em Lisboa

A 15 de Outubro, o PÚBLICO, através do projecto Artéria, promove uma visita guiada de olhos no chão: em parceria com a Associação da Calçada Portuguesa, vamos descobrir e dar a descobrir a história e as histórias que se inscrevem no pavimento que pisamos todos os dias. A participação é gratuita.

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O calcetamento do Rossio, de 1849, serviu de molde a muito do que se veio a fazer a seguir, estabelecendo-se como momento fundacional na calçada portuguesa Daniel Rocha

Perante a ameaça da extinção de uma forma muito particular de saber fazer as coisas, ainda que bastante gente a tome como algo imperecível, surge a necessidade inadiável de a divulgar.

Essa é, talvez, a maior das preocupações da Associação da Calçada Portuguesa, responsável pela organização do próximo passeio temático do projecto Artéria dedicado à cidade de Lisboa, a ocorrer na manhã (10h) de 15 de Outubro, um sábado, e para o qual os leitores do PÚBLICO se poderão inscrever gratuitamente (através de email para secretariado@publico.pt, com o assunto “Passeio Calçada Portuguesa”), até um máximo de 25 pessoas. Será uma oportunidade para ficar a conhecer melhor uma das mais idiossincráticas marcas da cultura nacional e, em particular, da capital portuguesa.

“O calcetamento dos passeios não é uma invenção portuguesa, existe noutros locais, mas a maneira específica como nós o fazemos, com as técnicas e os materiais usados, num trabalho artesanal, e no contexto em que se insere, é algo que nos diferencia”, explica António Miranda, membro da associação e historiador dos quadros da Câmara Municipal de Lisboa, que conduzirá a sétima visita guiada do Artéria – projecto de jornalismo comunitário dedicado à cidade, produzido pelo PÚBLICO em parceria com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. É esse conhecimento, do qual resulta, para além da pavimentação do espaço público, uma certa ideia da identidade histórica e cultural portuguesa, que o roteiro pretende relevar.

"O chão que pisamos"

Começando na Praça do Município, o percurso a pé, que durará aproximadamente duas horas, seguirá pela Rua Nova do Almada, Rua Garrett, Largo do Chiado, Largo Camões, Rua do Alecrim, Rua das Flores e Praça do Duque da Terceira, no Cais do Sodré. A etapa final será, depois de atravessada a Avenida 24 de Julho, a Praça de São Paulo.

“Será um circuito feito na área central da cidade, no qual ficaremos a conhecer alguns dos padrões de ornamentação do chão que pisamos, assim como algumas das diferentes técnicas nele usadas”, explica António Miranda, destacando a opção pelo término no Largo de São Paulo, por ser “uma das poucas calçadas que chegou quase intacta aos nossos dias”. Tirando ligeiras mexidas, encontra-se praticamente no mesmo estado em que foi construída, em 1850, à imagem do modelo estabelecido no Rossio, um ano antes.

O calcetamento da mais importante praça da capital portuguesa serviu de molde a muito do que se veio a fazer a seguir, estabelecendo-se quase como momento fundacional.

“Aquela intervenção teve um impacto muito grande, na altura. O padrão ali usado tem a particularidade de sugerir uma dinâmica, parece que o pavimento se está a mexer, sempre em movimento. A nossa percepção muda consoante a posição em que nos encontramos, dos ângulos de visão”, salienta o historiador, referindo-se ao desenho do piso daquele arruamento, conhecido como Mar Largo. Assim chamado por sugerir padrões de ondas, através do uso de linhas alternadas de pedras de calcário branco e de basalto preto. Materiais que definiram muito do que tem sido a imagem da calçada portuguesa - embora o último tenha caído em desuso por escassez na sua disponibilidade.

A insuficiência, porém, não se restringiu ao basalto preto. A crescente falta de calceteiros, sentida sobretudo nas últimas décadas, ameaça agora a própria essência do mester da execução da calçada portuguesa – muitas vezes confundida com a “calçada à portuguesa”, diferença que será aclarada durante a visita guiada. “Estamos a perder os antigos mestres e não há renovação de quadros. Arriscamo-nos, no curto prazo, a não ter quem saiba fazer”, lamenta António Miranda, dando eco a uma preocupação que tem aumentado e está sobretudo relacionada com as dificuldades de recrutamento para um ofício de paciência e de grande exigência física. A transmissão dos conhecimentos acumulados ao longo de décadas está, por isso, em risco.

Garantir que tal não acontece é a missão principal da Associação da Calçada Portuguesa, fundada em 2017, tendo várias entidades como associadas, entre elas a câmara municipal da capital. Responsável pela inscrição da arte e do saber-fazer da calçada portuguesa no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial, em 2021, a instituição tem trabalhado na candidatura a Património da Humanidade (UNESCO).


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